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O novo real digital: um mundo sem bancos?



A partir de 2020, as criptomoedas mudaram de patamar. Elas passaram a ocupar um papel de maior destaque nos mercados e a fazer parte do cotidiano do público em geral. O Google Trends, por exemplo, mostra que o interesse pela palavra "cryptocurrency" se multiplicou por 11 vezes de maio de 2020 a maio de 2021. As quantidades transacionadas estão crescendo, bem como a quantidade de criptomoedas existentes. O destaque da modalidade é, sem dúvidas, o Bitcoin, o qual conquistou inúmeros fãs por seu caráter digital, descentralizado e finito, características completamente diferentes daquelas encontradas nas moedas tradicionais.


Com a popularização desse modelo de moeda, surgem preocupações no caso de uma possível adoção generalizada. Por serem totalmente independentes do Estado, as criptomoedas ameaçam a capacidade dos bancos centrais de fazer política monetária, como disserta Pierpaolo Benigno em "Monetary Policy in a World of Cryptocurrencies". Por darem mais liberdade para fazer transações financeiras e oferecerem mais privacidade aos seus usuários, elas também dificultam o controle sobre dados. Quanto maior é a relevância das criptomoedas na economia, menor será o controle dela pelas autoridades.


Dessa forma, para os bancos centrais manterem o seu poder de atuação, eles procuram formas de parar a expansão desses ativos. Uma alternativa é a criação de uma Central Bank Digital Currency (CBDC), uma moeda virtual nacional, que seria capaz de acompanhar a digitalização da economia e, também, facilitaria transferências, já que os custos de transação e de câmbio seriam menores.


Ademais, é uma boa oportunidade para que haja uma modernização do sistema financeiro com o objetivo de torná-lo mais acessível, isto é, para que ocorra o processo de financial deepening. A partir do caso brasileiro como exemplo, vê-se que havia, em 2017, 30% de adultos desbancarizados, um número muito elevado se comparado às economias maduras e a algumas emergentes. Assim, a criação de um sistema mais eficiente favoreceria a inclusão dessas pessoas. O BACEN já está tomando medidas para intensificar a bancarização, como é visto no lançamento do Pix em novembro de 2020 e no processo de implementação do open banking, atualmente em curso.

Atualmente, o Brasil tenta acompanhar a tendência mundial de moedas digitais. Ele é um dos países mais avançados na etapa de pesquisa de sua CBDC. Vale ressaltar que as Bahamas já lançaram o Sand Dollar, a versão digital da moeda do país, sendo as únicas com uma criptomoeda já em utilização. O mapa abaixo revela os diferentes estados dos projetos de cada país.


Como pode ser notado pelo alto número de países em pesquisa, o processo de implementação e distribuição das CBDCs é complexo e deve, acima de tudo, ocorrer de forma coordenada com o Sistema Financeiro Nacional, pois, como ocorre no caso das moedas físicas, as instituições financeiras serão, inicialmente, as intermediárias entre o Banco Central e a população.


Contudo, há uma série de diferenças entre o mundo da moeda física e o da moeda digital, devido às novas características da digitalização. Essas diferenças criam dúvidas sobre o papel do setor bancário. Para entender os riscos que as CBDCs impõem sobre esse setor, é preciso compreender como os bancos funcionam e sua capacidade multiplicadora de moeda.


Os bancos cumprem a função de absorver o dinheiro poupado e repassá-lo a quem necessita de capital, lucrando com a diferença entre os juros recebidos do devedor e pagos ao poupador. Curiosamente, os bancos também criam moeda neste processo, pois, ao pegar R$100,00 do depositante, ele pode emprestar R$83,00 a outro agente (no Brasil, os bancos são hoje obrigados a depositar compulsoriamente 17% do que recebem no BACEN) e esse outro agente depositará esse dinheiro em um banco que emprestará R$68,89 e assim por diante... Esse é o efeito multiplicador da moeda.


Pois bem, há a hipótese de que, com a implementação, a vantagem de se ter o dinheiro no banco diminua, já que poderia ser mais seguro guardar o real digital numa carteira eletrônica do que guardá-lo em um banco em alguns casos, diferentemente de como ocorre, hoje, com o real físico, não sendo mais imprescindível suportar o risco de falência. Assim sendo, acredita-se que, numa eventual implementação das CBDCs, muitos dos correntistas sacariam suas reservas dos bancos, principalmente em cenários de instabilidade, e as converteriam para o real digital. Essa saída de moeda do sistema financeiro diminuiria o efeito multiplicador, o que poderia atrapalhar a concessão de crédito por parte dessas instituições, levando a uma atrofia desse setor e, em casos mais extremos, a uma crise bancária generalizada.


Assim, é fato que o BACEN precisa saber exatamente quais serão as consequências da implementação da moeda digital e como serão feitas as políticas monetária e fiscal nesse novo ambiente. Esses, porém, são questionamentos que, até hoje, ninguém conseguiu responder com clareza.


Além disso, a intenção das autoridades monetárias ao criar o projeto foi o boom das criptomoedas, tentando estabelecer uma alternativa a elas. Contudo, essa substituição pode não acontecer, já que muitos adquiriram suas criptomoedas como forma de se proteger, justamente, da centralidade do Estado.


Dessa forma, dado o cenário de crescente digitalização nas mais diversas áreas, é compreensível e esperado que as autoridades monetárias queiram acompanhar essa tendência e modernizar o ambiente financeiro, e as CBDCs são peças fundamentais para tal. Entretanto, como inclusive disse Roberto Campos Neto, presidente do BACEN: "nesse momento, temos mais perguntas do que respostas", ou seja, há inúmeros pontos a se considerar antes de uma implementação. Há um longo caminho pela frente.

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