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As finanças futebolísticas: o modelo inglês como inspiração para o esporte brasileiro



Futebol e finanças: uma relação para além dos gramados


Convocações da seleção com grande maioria de atletas que jogam no exterior; vexames em Copas do Mundo e Mundiais de Clube; partidas de má qualidade no campeonato nacional. Cotidianamente, diversos brasileiros espectadores de futebol deparam-se com o rebaixamento constante do futebol do Brasil em relação às potências futebolísticas. Por outro lado, cada vez mais o globo admira e respeita o jogo praticado na Inglaterra, reconhecido como o de mais alto desempenho do mundo e que nos últimos 5 anos conseguiu 3 títulos da Champions League, com clubes distintos.


Para tentar justificar essa queda brasileira, diversos motivos são sempre apontados: do jogador sem qualidade e preparo físico e mental às más decisões dos cartolas. No entanto, por trás de tudo isso está uma grande e principal responsável: a péssima gestão do futebol brasileiro, com uma estrutura de incentivos que não recompensa a evolução do esporte e prende o país no tempo. Seguindo esse cenário, o futebol inglês, também exemplo máximo do sucesso econômico no campo futebolístico de clubes, será utilizado como base deste texto para a compreensão de como pode-se melhorar a conjuntura brasileira em relação ao que impacta as partidas fora dos gramados. Ademais, será tratado o papel que o mercado financeiro pode exercer para melhorar o jogo no Brasil.


A superioridade inglesa


Até os dias atuais, o título de país do futebol é disputado entre brasileiros, orgulhosos de suas cinco conquistas de Copa do Mundo, e ingleses, os criadores desse esporte. No entanto, se a base para o embate fosse exclusivamente quesitos econômicos, seria indiscutível a superioridade dos britânicos perante todo o globo. Segundo a empresa de consultoria esportiva Pluri, a primeira divisão do campeonato inglês, a Premier League, é o campeonato nacional mais valioso do mundo, sendo avaliada em cerca de 10,32 bilhões de euros (aproximadamente 55,59 bilhões de reais), superando em 5,49 bilhões (R$29,57 bilhões) a segunda colocada, a espanhola La Liga. Nesse ranking, o campeonato brasileiro fica na sexta posição com um valor de € 1,32 bilhão (R$7,11 bilhões), seguido justamente da segunda divisão da própria Inglaterra, a qual vale 1,25 bilhão de euros (R$6,73 bilhões).


Valores atribuídos às principais ligas nacionais (em bilhões de euros)


Uma métrica fundamental para entender tamanha diferença está associada ao total de receitas dos clubes. Considerando as temporadas que se encerraram em 2022, os times da primeira divisão inglesa receberam em torno de 6,4 bilhões de euros (R$34,47 bilhões), enquanto os espanhóis, apenas 3,3 bilhões (R$17,78 bilhões). No contexto brasileiro, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) libera poucos dados acerca do Brasileirão, de forma que será usado como critério deste texto a receita de €1,34 bilhão (R$7,22 bilhões), que é o total recolhido pelos 20 clubes que mais arrecadaram mas somaram apenas 20% do que ganha os britânicos.


Dada essa explicação, para aprofundar a comparação entre ingleses e brasileiros é importante focar na composição média das receitas dos times. Como mostra o gráfico abaixo, 71% da receita dos times da Premier League estão associadas a direitos de transmissão e patrocínios, enquanto para os times brasileiros esse valor não passa de 56%. Essa composição revela que o futebol inglês, enquanto produto a ser comercializado pelo mercado, é muito mais rentável absoluta e relativamente que o brasileiro, possibilitando que uma maior quantidade de capital seja investida no jogo e melhore sua qualidade técnica. A fim de entender o que garante essa vantagem para os britânicos, será aprofundado o funcionamento da liga e dos clubes locais.



A organização da liga


Criada em 1992 em um contexto de insatisfação dos clubes ingleses com a organização da Football Association (similar à CBF no Brasil), a Premier League é uma empresa privada que foi criada para garantir a melhora da organização do futebol local e aumentar a lucratividade de seu produto, tendo os seus vintes clubes competidores como acionistas. Como já antecipado, esse caminho foi muito bem-sucedido, devendo servir de exemplo para o Brasil, principalmente no que se trata da comercialização do produto que é o futebol.


Primeiramente, ao se organizar enquanto uma empresa com fins lucrativos, a Premier League e seus dirigentes apresentam maiores incentivos para rentabilizar suas mercadorias. Nesse contexto, um dos principais diferenciais está em algumas exigências de transparência, essenciais para a boa gestão das equipes e em atrair investimentos. Ademais, uma outra vantagem competitiva está na disponibilidade de dados para o mercado.


Por exemplo, em seu site oficial, a principal liga de futebol do globo apresenta com detalhes a forma que ela agrega para a economia britânica, desde os 94 mil empregos que ela ajuda a sustentar, até as 3,6 bilhões de libras (R$22,49 bilhões) que ela gera para o Estado inglês. Em oposição a isso, a CBF precisa organizar todas as principais competições brasileiras e não é capaz de fornecer tantas informações das ligas, apenas alguns poucos dados do futebol como um todo. Ademais, ela não apresenta estímulos econômicos para melhorar seus resultados, afinal, se trata de uma instituição sem fins lucrativos em que a bonificação dos cartolas está pouco atrelada a resultados.


Um claro exemplo de superioridade britânica está na questão dos direitos de transmissão, que representa a maior parte das receitas dos times, e exemplifica a diferença entre Premier League e Brasileirão. Na primeira, os clubes se organizaram de tal forma que a transmissão dos jogos é vendida de maneira coletiva, facilitando as negociações, enquanto no Brasil os clubes realizam os negócios de maneira individual, tornando todo o processo mais burocrático. Não à toa que, enquanto a Premier League é transmitida para 212 países, chegando a uma audiência global acumulada de 3,2 bilhões de pessoas, o Brasileirão é transmitido para 150 nações e atinge apenas 650 milhões de indivíduos.


É evidente também que o produto inglês é mais vendido por oferecer um futebol de melhor qualidade, o que tem muito a ver com o modelo de organização dos clubes.


A gestão dos clubes


Enquanto a discussão de clubes-empresas no Brasil é extremamente recente, sendo autorizada a existência das SAF (Sociedade Anônima de Futebol) apenas em 2021 e atingindo, até agora, pouco dos principais clubes do país, os clubes ingleses apresentam um posicionamento completamente diferente, sendo 100% dos times da Premier League empresas privadas com fins lucrativos. Nesse contexto, se a ideia de os clubes possuírem dono pode trazer a ideia do fim da concepção romântica do esporte, é ela que garante, olhando sobre a análise da economia, uma estrutura de incentivos capaz de melhorar o funcionamento e a lucratividade das equipes.


No futebol brasileiro, os executivos dos clubes, que são geralmente associações sem fins lucrativos, muitas vezes nem são remunerados e focam em ganhar títulos a curto prazo e renome, sem se importar com a saúde financeira a médio e longo prazo. Esse posicionamento faz com que, posteriormente, as equipes brasileiras sejam obrigadas a vender seus jogadores mais promissores e, muitas vezes, sem poder arrecadar tudo que poderiam, dado seu frágil poder de barganha devido à situação de suas finanças. Nesse contexto, também, as receitas são corroídas pelos erros de gestão e pela falta de transparência, ao invés de serem inseridas no produto futebol. Assim, o jogo brasileiro é prejudicado, entrando em um ciclo vicioso que dificulta o aumento de receitas e a presença de bons jogadores.


Por outro lado, nos clubes com gestão empresarial, o fato dos investidores terem seu próprio capital inserido faz com que eles tenham interesse na rentabilidade do time para além de conquistas a curto prazo. Apesar de parecer que os interesses individuais irão se sobrepor ao dos times, a longo prazo, o que gerará lucro para as equipes são justamente os títulos e conquistas que elas terão, os quais só serão possíveis graças a uma gestão economicamente responsável que permite a compra de jogadores e contratação de técnicos que garantirão um bom produto, ou seja, um jogo de futebol mais atraente e desenvolvido.


Nesse contexto de boa gestão dos clubes, o mercado financeiro apresenta-se como uma peça chave para garantir o êxito do jogo. As principais equipes do mundo são extremamente caras e nem sempre podem ser totalmente adquiridas por um único indivíduo. Assim, surgem fundos que compram algumas equipes, como a 777 Partners, que recentemente adquiriu o Vasco (um dos poucos times brasileiros que seguiu o caminho da gestão empresarial) e outras formas de investimento, como realizar IPOs e inserir os clubes na bolsa de valores, tal como foi feito com Manchester United (o segundo time mais valioso do mundo), Juventus, Benfica e Ajax.


Existem diversas outras formas pelas quais o mercado financeiro pode influenciar o futebol e também fugir dos esquemas mais clássicos de compra e venda, tal como aquisições temporárias de Private Equity, que no Brasil ocorreu no início de 2023 com o Coritiba. Destaca-se, por fim, de maneira um pouco mais abrangente, que o mercado financeiro é o principal meio para transformar os clubes em empresas, possibilitando que o conhecimento econômico seja utilizado em prol do enriquecimento do futebol, técnica e financeiramente.



Conclusão


Em síntese, o sucesso do modelo inglês confirma as teses econômicas da necessidade de reformulação do esporte no Brasil. Resistir à urgência de alterar as estruturas básicas do futebol brasileiro representa, assim, não só sua condenação a um patamar inferior ao dos demais países como sacrificar o benefício socioeconômico que o crescimento de qualquer setor pode oferecer para toda a sociedade.

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