O altamente competitivo mercado de armas mundial é preenchido principalmente por empresas de países desenvolvidos, tais como a alemã Sig Sauer, a italiana Beretta, a tcheca CZ, a austríaca Glock e as dezenas de marcas de armas americanas como a Smith & Wesson e a Ruger. Nesse contexto, uma determinada companhia se destaca por quebrar expectativas. Se, por um lado, está num país que não possui cultura armamentista, nem é reconhecido por inovação tecnológica, a empresa exporta tecnologia para o mundo e é uma das maiores empresas do setor de armamentos: trata-se da brasileira Taurus.
Taurus e o Mercado de Armas
O mercado de armas valoriza a confiança no produtor e possui empresas antigas, levando a uma dificuldade de inserção de novas empresas. A mais antiga das empresas armamentistas de hoje, a Beretta, foi fundada em 1526, menos de três décadas depois do descobrimento do Brasil. A Smith & Wesson, uma das maiores vendedoras de armamento do mundo em termos de receita (chegando a 1.06 bilhões de dólares em 2021) foi fundada em 1852, apenas 76 anos depois da independência dos EUA.
Todas essas empresas tiveram muito tempo para conquistar a confiança do consumidor em seu produto e desenvolver tecnologia para criar produtos dignos dessa confiança. Antes da independência do Brasil, em 1822, a Beretta já supria o arsenal de Veneza e, antes da Proclamação da República, em 1889, a Smith & Wesson já consolidava sua reputação fornecendo armas para as guerras hispano americanas. Além disso, quando o consumidor é o Estado (no caso as forças policiais ou as forças armadas do país), existe uma preferência natural para comprar de empresas locais, já que não é do interesse do Estado depender de uma empresa estrangeira para sua segurança.
É neste mercado que, em 1939, é fundada, no Rio Grande do Sul, a Taurus São Leopoldo, com ajuda de incentivos governamentais. Inicialmente especializada em revólveres, a empresa rapidamente começou a diversificar sua linha de produtos para pistolas. As primeiras décadas da Taurus foram centradas no mercado nacional, tanto militar quanto civil. No ano de 1968 a Taurus passou a exportar armas para os EUA, o que se tornaria sua maior fonte de receita nos dias de hoje. Em 1970 a mesma dona da Smith & Wesson comprou a maioria de ações da Taurus, o que permitiu a troca tecnológica entre as duas empresas, levando a um desenvolvimento acelerado da Taurus. Nos anos 80 a Taurus comprou a planta da Beretta no Brasil.
No passado mais recente a Taurus sofreu com problemas associados à sua dívida devido, inicialmente, a uma expansão das operações a partir dos anos 2000. Além disso, a empresa passou por problemas de segurança em alguns de seus modelos, levando a ações judiciarias e uma forte mancha na marca. Defeitos encontrados em armas da Taurus no mercado americano levaram a um processo judicial de 30 milhões de dólares contra a empresa em 2015 e, no Brasil, esses defeitos levaram o exército a proibir alguns produtos da empresa em 2016.
A história da superação dessas dificuldades começou também em 2015, com a reestruturação administrativa da Taurus. A empresa começou a renegociar sua dívida, de modo a tentar adequá-la a seu fluxo de caixa. Além disso, iniciou-se um plano de maior geração de fluxo de caixa por meio da expansão da margem da empresa, liderada pela expansão da margem da linha de revólveres num projeto que a empresa nomeou internamente de “Excelência Revólver”. Nesse projeto, a Taurus investiu em maquinários e recursos humanos para tentar produzir o revólver mais barato do mundo, sem que para isso precisasse sacrificar qualidade. Para tanto, ela investiu em novos centros de usinagem mais eficientes que, após um dispêndio inicial, permitiram o aumento do volume de produção de um revólver de baixo custo. O resultado dessas operações é que, a partir de 2018 a situação de endividamento da empresa começa a melhorar. Em 2021, com a finalização do projeto “Excelência Revólver”, as margens EBITDA da empresa tiveram um salto e ficaram no mesmo patamar das margens brutas de alguns concorrentes. Tanto CZ quanto Smith & Wesson, que são gigantes do setor de armamentos da República Tcheca e dos EUA, tiveram margens consideravelmente menores que a Taurus no ano de 2022. Além disso, Ruger, outra gigante americana com uma receita de 596 milhões de dólares em 2022, teve uma margem bruta menor do que a margem EBITDA da Taurus.
Fonte: RI da Empresa
Fonte: RI da Empresa
Fonte: RI da Empresa
O Mundo, o Brasil e “O Sonho Americano”
A operação da Taurus pode ser dividida, principalmente, em três partes. A principal delas é a venda de armas para o público americano, em um volume tão expressivo que dita a operação da empresa como um todo. Depois, a fabricação de armas para consumo nacional – seja ele civil ou militar – ganha destaque. Finalmente, completando a receita da companhia, destaca-se sua atuação em diversos países, exportando armas por licitações governamentais ou cooperando com empresas locais.
Fonte: Federal Bureau of Investigation (FBI)
Ao redor do globo, a Taurus atua sobre duas formas distintas: licitações e Joint Ventures. As licitações de armas são contratos emitidos por um país para a produção de uma definida quantidade de armamentos. Geralmente, esses acordos são disputados entre as empresas internacionais, em que, dada algumas especificações, o projeto de menor custo - uma especialidade da Taurus - consegue ganhar a disputa. Essas licitações internacionais são emitidas por países que precisam de armamentos, porém que não conseguem produzi-los em seu próprio território, devido à falta de fábricas ou à alta demanda. Por exemplo, a Taurus ganhou licitações no Líbano e Filipinas para vender armas às forças de segurança.
Por outro lado, as Joint Ventures aparecem quando o país não quer deixar a produção de seus armamentos nas mãos de um estrangeiro e, portanto, força com que a empresa estrangeira faça uma parceria com uma empresa nacional. Assim, os armamentos advindos de uma Joint Venture são produzidos em território nacional (na visão do comprador), o que diminui o potencial risco de segurança. Assim, a Taurus atua nessas parcerias exportando sua tecnologia para empresas estrangeiras em Joint Ventures, como faz na Índia com a Jindal Defence (empresa indiana que atua na manufatura de aço) e como pretende fazer na Arábia Saudita com a SCOPA (uma empresa de defesa do reino da Arábia Saudita).
No Brasil, a demanda por armas vem dos CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador), da polícia e dos militares nacionais. A transição recente de governo, juntamente com os atrasos legislativos sobre a emissão de novos documentos e a falta de clareza sobre os calibres permitidos, fez com que o ano de 2023 tenha sido um período de quase total suspensão de vendas de armas para civis no mercado brasileiro. É esperado que a situação de emissão se regularize no ano de 2024, com o exército já retomando a autorização para novos CACs após esse ano de suspensão. A empresa, então, deve atender à demanda reprimida de usuários que não conseguiram comprar no ano anterior.
Por fim, analisa-se um importante mercado para a Taurus: o americano. O direito de se armar é protegido pela Constituição dos EUA, impedindo uma repressão extrema sobre a demanda. Essa necessidade dos estadunidenses, entretanto, levou a uma alta concorrência, o que transformou o mercado americano em um setor extremamente exigente, no qual apenas os baixos custos não seriam o suficiente para se sobressair; seria necessário, também, qualidade.
A Taurus não tem como apagar seus erros cometidos no passado, como os defeitos que chegaram a causar acidentes mortais na década passada, os quais ainda são lembrados pelo consumidor americano. Porém, a empresa tem tentado construir uma nova reputação em relação a sua qualidade. Em 2019, o nome da companhia foi alterado para “Taurus Armas”, com a empresa se empenhando para melhorar sua qualidade e ter um maior reconhecimento internacional. Seus produtos ganharam premiações como “Melhor Nova Arma de 2021”, pela NASGW-POMA Caliber, e “Handgun of the Year 2022”, pela revista GUNS & AMMO. Com isso, mais de 35 premiações internacionais foram recebidas pela Taurus.
Além da escolha de qual marca de arma levar, o mercado americano também possui uma demanda de armamentos extremamente sensível a períodos de agitação social como mostra o gráfico de checagem de controle de antecedentes (uma proxy da venda de armas nos EUA, já que uma parte destas vendas tem sempre de passar por este controle). A pandemia do Covid e, principalmente, os protestos de George Floyd, criaram um “boom” na venda de armamentos devido justamente aos períodos de incerteza e agitação que marcaram estes momentos. Historicamente, eleições presidenciais e tiroteios em massa levaram a uma incerteza sobre o futuro da legislação de armamentos norte americana, gerando um aumento na demanda por armas no país. Porém, justamente pela imprevisibilidade de muitos desses eventos, o aumento da demanda pode pegar os vendedores despreparados e, portanto, não ser capturado por completo pelo mercado.
Fonte: National Instant Criminal Background Check System (NICS)
Independentemente disso, a Taurus é a marca de armas mais importada pelos EUA, superando grandes nomes como a CZ. Todavia, a brasileira ainda não foi capaz de superar grande parte das marcas americanas em vendas, em parte devido ao patriotismo do público consumidor, o qual dá preferência à fabricação nacional.
Conclusão
A Taurus começou em um país não muito favorável para a indústria armamentista, passou por endividamento grave e constrangimentos com a confiabilidade de seu produto. No entanto, apesar de suas dificuldades, a empresa superou diversas incumbentes para conquistar seu espaço no mundo de armas mundial, e vem crescendo ano após ano neste mercado. Com objetivos de se expandir nas suas três frentes, a Taurus certamente enfrentará desafios inesperados que muitas vezes não estão sobre seu controle. Nesse contexto, é a capacidade de se adaptar a estes desafios que determinará, em grande parte, a capacidade da Taurus de continuar conquistando seu espaço no setor de armamentos.
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