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Spotify: como o maior streaming de música do mundo continua perdendo dinheiro



Introdução

 

O Spotify é uma empresa sueca conhecida globalmente como a maior plataforma de streaming de música de todo o globo, o que é confirmado pelos relatórios da indústria da International Music Summit - uma relevante organização de conferências de música. Apesar de ter mais de 600 milhões de usuários mensais ativos, registrados no final de 2023, e de gerar cerca de 10 bilhões de euros em receita por ano, a companhia do setor musical não conseguiu ter nenhum ano lucrativo em toda sua história. Fundada em 2006, ela realizou seu IPO em 2018, e, nos seus primeiros dezessete anos de história, acumulou em torno 4 bilhões de euros em perdas totais.


Fonte: Spotify Financials

 

De modo a compreender como essa gigante do streaming, presente em milhões de dispositivos diariamente, ainda não gera lucros, é importante compreender de maneira mais aprofundada a dinâmica da sua plataforma, seus direitos autorais, seus produtos e sua situação financeira.

 

O oligopólio dos direitos autorais

 

A principal razão pela qual o Spotify continua dando prejuízos são as altas taxas de direitos autorais - os chamados royalties - que a empresa tem que pagar aos artistas pela transmissão de suas músicas. Nesse sentido, a escala desses pagamentos não é baixa: desde 2020, segundo a própria companhia, o Spotify pagou mais de 21 bilhões de euros em royalties aos artistas, resultando em uma proporção de dois terços pagos a cada um euro gerado de receita pela empresa. Isso faz com que apenas um terço da receita sobre para arcar com os custos da operação, incluindo pesquisas, gastos administrativos e tributos fiscais.

 

Portanto, o porquê do Spotify estar pagando uma quantia tão alta de royalties é também de importante compreensão. Em uma primeira análise, seria possível supor que, pela companhia ser líder de mercado, com 30% de market share, ela conseguiria negociar melhor os preços e conquistar um relativo poder de barganha. Porém, não é isso que ocorre, já que o Spotify está sujeito a um forte oligopólio detentor desses royalties, o qual é formado por Universal Music Group, Warner Music Group e Sony Music Entertainment. Nesse contexto, destaca-se que essas empresas possuem, em conjunto, cerca de 70% do mercado de gravadoras e publicadores de música.


Fonte: Music & Copyright Blog

 

Ao colaborarem com o artista para o lançamento de suas músicas, essas três companhias passam a ter o direito delas, o que obriga o Spotify a ter de negociar com tais empresas. Assim, se a plataforma quiser baixar seus preços, as Big 3, como são conhecidas, vão recorrer às plataformas de streaming concorrentes, como Apple Music, Amazon Music ou YouTube Music, o que retiraria o Spotify de seu posto como líder de mercado.

 

Atualmente, o Spotify segue como a maior empresa do seu setor, com 30% de market share em total de inscritos, seguido pela Apple Music (15%), Amazon Music (13%), Tencent Music (13%) e YouTube Music (8%), de acordo com um estudo da The Verge, uma importante plataforma de notícias sobre tech. Nesse contexto, os maiores destaques, entre seus competidores, são os da Apple e Amazon, os quais oferecem uma integração entre os seus respectivos ecossistemas e aparelhos, tais como o iPhone, iPad, e os da Amazon, como o sistema Echo, de inteligência artificial. O Apple Music, inclusive, conta com conteúdo exclusivo de músicas, com álbuns de Drake, Taylor Swift e Britney Spears somente disponíveis nessa plataforma, algo que gera competitividade para o serviço dessa companhia frente ao Spotify.

 

Como forma de comparação, pode-se utilizar a Netflix, que, assim como o Spotify, é uma empresa líder de streaming. Mesmo oferecendo conteúdos distintos entre si, o setor de streaming de mídia é semelhante no quesito de assinaturas e necessidade de pagamento de royalties, assim sendo possível a comparação. A Netflix, em 2012, estava em uma situação similar à do Spotify, pagando 64% da sua receita em taxas de licenças para os criadores de seus filmes e séries, parecido com que a empresa de streaming de músicas paga - 70%. Então, surge-se a pergunta: o que foi feito para que a Netflix se tornasse hoje a gigante avaliada em mais de 200 bilhões de dólares, conseguindo consistentemente mais de 5 bilhões de dólares em lucro líquido nos últimos 3 anos, enquanto o Spotify é uma companhia de 30 bilhões que ainda gera prejuízo?

 

Para evitar pagar royalties altíssimos, a Netflix passou a produzir seus próprios filmes e séries, com o Netflix Originals - projeto responsável por lançar hits como Stranger Things, House of Cards, Black Mirror e Round 6. Com seus originais compondo mais de 50% do seu catálogo hoje em dia, a Netflix hoje paga apenas 24% da sua receita em taxas de licenças a produtores terceirizados. A dúvida que resta é: por que o Spotify não tenta, então, seguir os passos da Netflix?

 

Essa pergunta é respondida novamente pelo oligopólio das Big 3, uma vez que essas empresas previram esse movimento do Spotify e colocaram legalmente nos contratos firmados entre essas gravadoras e a plataforma de streaming que o Spotify não pode criar conteúdo próprio, como músicas. Nesse sentido, tentar quebrar essa regra do contrato resultaria em multas caras para a plataforma e uma alta insatisfação das gravadoras: em 2018, o Spotify tentou licenciar músicas diretamente com artistas, e as Big 3 obrigaram-no a retroceder imediatamente. O resultado desse cenário é que 75% das músicas presentes na plataforma do Spotify são licenciadas apenas por essas três companhias.

 

Ademais, os royalties, apesar de serem os maiores gastos do Spotify, não são os únicos que levam a companhia ao prejuízo. As despesas em P&D (pesquisa e desenvolvimento), vendas e marketing e G&A (geral e administrativo) compõem cerca de 27% dos gastos da companhia, os quais, quando subtraídos da receita, transformam o lucro em prejuízo. Outro fator negativo para a situação financeira do Spotify é seu déficit acumulado, o qual cresceu em cerca de 15% de 2022 para 2023, atingindo o patamar de 4,2 bilhões de euros neste último ano.

 

Bom para os consumidores, péssimo para os negócios

 

Atualmente, a maior parte das músicas que uma pessoa escuta se encontra em uma plataforma de streaming, como o Spotify. Segundo a Federação Internacional de Indústria Fonográfica, 73% das pessoas afirmam escutar músicas por meio de plataformas de streaming, o que é um grande atrativo para os clientes desse tipo de serviço, dada a facilidade da interface e rapidez para encontrar músicas. Entretanto, um fator negativo para as empresas desse meio seria que as pessoas não são exclusivamente fiéis a uma marca de streaming. Isso ocorre uma vez que todas as plataformas oferecem o mesmo tipo de conteúdo, com as mesmas ferramentas e métodos de criação de playlists, sem existir uma vantagem competitiva ou diferenciação de produto entre as concorrentes, a não ser o preço do serviço. Isso traz como consequência uma situação financeira desfavorável quase que inevitável para o business em questão, visto que as margens são corroídas para buscar a manutenção dos consumidores.

 

O caso do Spotify, particularmente, é ainda pior do que as demais concorrentes, já que a empresa tem como principal ramo de atuação o streaming de músicas e podcasts. Por outro lado, plataformas cujas donas são gigantes do meio tech como a Apple, Amazon e Google, podem não gerar lucro e, mesmo assim, esse problema não ser de grande preocupação, já que suas empresas mantenedoras tem outros businesses muito maiores e lucrativos. Nesse contexto, para essas companhias, o streaming de música compõem apenas uma parcela de um pacote amplo (chamado bundle) oferecido por elas, o qual inclui também filmes e séries. O Apple One , por exemplo, inclui o iCloud, de armazenamento, a Apple TV, de filmes e séries, e o Apple Music, de músicas; outros bundles também podem ser citados, como o YouTube Premium, da Google, e o Amazon Prime Bundle. O conjunto da Apple é 7 dólares mais barato do que se todos os seus serviços fossem vendidos separadamente, criando uma situação na qual ambos os lados ganham. Isso porque o consumidor acredita que saiu desse acordo economizando dinheiro, e a Apple acaba tendo mais lucro do que se tivesse vendido apenas o Apple Music. O Spotify já tentou fazer colaborações com outras companhias de streaming de filmes e séries, assim como de telecomunicações e tech, com a Hulu, AT&T e Samsung, respectivamente. Porém como a receita era dividida entre os parceiros, o Spotify ainda assim terminava saindo no prejuízo.

 

Portanto, outro fator responsável por tornar o Spotify menos competitivo na dinâmica do seu setor e, assim, mais sujeito a prejuízos, é a falta de outros serviços além do streaming de músicas como produtos próprios da companhia. Com isso, o Spotify sai perdendo contra os seus concorrentes, os quais possuem fortes sinergias de serviços, que compensam o eventual prejuízo naturalmente advindo do streaming de música e, também, atraem consumidores.

 

Uma possível saída do prejuízo?

 

Em 2019, o Spotify anunciou sua estratégia de se tornar uma plataforma para todas as formas de conteúdo em áudio, não apenas músicas, com os podcasts sendo o “carro-chefe” dessa mudança. A justificativa da plataforma para esse projeto é que os podcasts possuem um custo de streaming menor do que o de músicas, além de possuírem uma margem bruta em torno de 40 a 50%, no longo prazo. Em comparação, a margem bruta do streaming de música é cerca de 25%. Foi por esse motivo que o Spotify investiu 1 bilhão de dólares desde 2019 para adquirir empresas especializadas no ramo e estabelecer contratos exclusivos de podcasts com figuras famosas, como Joe Rogan (comediante americano), Kim Kardashian, Príncipe Harry e até os Obama. A ideia da plataforma é aumentar cada vez mais a receita advinda de podcasts, a fim de diminuir a proporção total paga em royalties aos detentores de músicas, para finalmente tirar a empresa do prejuízo.

 

Apesar desse grande movimento por parte do Spotify, a situação financeira continua sem melhoras significativas. Após grandes investimentos no ramo de podcasts no ano de 2022, a empresa afirmou que a expectativa era de melhora na lucratividade em 2023. Contudo, esse não foi o caso, pois só o primeiro semestre já foi pior do que o do ano anterior: as margens bruta, operacional e de lucro líquido diminuíram ano contra ano. Alguns fatores que prejudicaram o business de podcasts foram a inexperiência e a falta de direcionamento que os executivos possuíam nesse ramo, além de uma escassez de marketing para esses produtos. Isso é prova de que, talvez, o ramo de podcasts não seja tão lucrativo quanto afirmado e previsto pelo Spotify.

 

Conclusão

 

Por anos, a diretoria executiva do Spotify dizia que a empresa prioriza o crescimento no longo prazo antes de lucratividade no curto prazo. Entretanto, os investidores não estão contentes com a situação financeira da companhia, uma vez que nenhum ano de sua história foi lucrativo.  O oligopólio das Big 3 de empresas gravadoras e o modelo de apenas um serviço que a empresa utiliza são os principais fatores pelos quais a performance financeira do Spotify continua insatisfatória.

 

Portanto, o futuro é incerto para a maior plataforma de streaming de músicas do mundo. Se os executivos da companhia não conseguirem trazer lucro, o Spotify talvez continue a aumentar preços e demitir funcionários - ambos eventos ocorridos em 2023  -, algo que pode acabar em uma aquisição da plataforma por uma gigante tech interessada. Uma possível solução seria a diversificação dos seus produtos, saindo além do ramo streaming de músicas e podcasts, assim como a dinâmica do setor exige e suas competidoras atuam. Entretanto, o plano da empresa, por enquanto, é continuar investindo em podcasts, sem planos de expansão para outros mercados.

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