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Boom de IPOs: da euforia à desconfiança



O começo de 2020 foi um período marcado pelo extremo pessimismo e alta volatilidade no mercado mundial devido à pandemia do novo coronavírus, no qual grande parte das empresas suspendeu a tramitação da sua oferta pública inicial (IPO). A partir da sinalização de uma retomada gradual da atividade econômica, formou-se um contexto, após o mês de julho, bastante propício aos IPOs devido a alterações estruturais no cenário macroeconômico, as quais são ainda mais latentes no Brasil. No entanto, esse momento favorável provocou uma onda massiva de empresas iniciando seus respectivos processos para realizarem a oferta pública inicial na B3, gerando preços iniciais de negociação elevados, baseados em um contexto macroeconômico excepcional, que dificilmente se manterá. Nesse artigo, abordaremos os principais fatores que impulsionaram a demanda de empresas fechadas por IPOs ainda na pandemia, e uma possível valorização excessiva do mercado em relação a esses novos papéis, que agora já sofrem uma significativa correção.

No contexto de arrefecimento da demanda por conta da pandemia, tornaram-se recorrentes injeções de liquidez massivas nas economias nacionais por parte dos bancos centrais. Tanto no Brasil, quanto nos EUA os bancos centrais adotaram políticas monetárias inspiradas no Quantitative Easing, o qual consiste na compra de títulos públicos e privados por meio de emissão artificial de moeda. Embora a ação seja polêmica, dada a possibilidade de um descontrole inflacionário por conta de um possível erro na dose corretiva, essas medidas acarretaram um aumento significativo na liquidez dos mercados e, portanto, propiciam um cenário favorável aos IPOs.


Além disso, considerando o curto prazo de dificuldade financeira para a esmagadora maioria das empresas, a oferta pública inicial se apresenta como um meio de geração de caixa interessante. Assim, o valor arrecadado no IPO proporciona fundos para uma possível expansão das operações da empresa, bem como pode ser utilizado como caixa, aumentando seus níveis de liquidez, os quais são expostos nesse contexto de crise econômica.

Alinhado com o cenário global, o Brasil também possui outros fatores que intensificaram a demanda atual do país por IPOs, a qual já se encontra altamente aquecida mesmo durante a pandemia. Isso pode ser observado pela ocorrência de 12 IPOs entre Julho e Setembro deste ano, em comparação a 6 ao longo de todo o ano de 2019. Além da maior liquidez nos mercados, fruto da atuação dos bancos centrais, e da necessidade de caixa das empresas, o Brasil apresenta um contexto de taxa de juros em sua mínima recorde e de alta migração de pessoas físicas ao mercado de capitais, atingindo a marca de 3 milhões de investidores em renda variável no mês de Setembro, promovendo um ecossistema ainda mais favorável aos IPOs.


Após um grande período de incerteza quanto à inflação, nove cortes consecutivos da Selic levaram a taxa de juros a uma mínima histórica de 2% em Agosto. Para as empresas que consideram realizar uma abertura de capital, essa queda é benéfica, pois resulta em maior liquidez na bolsa, motivada tanto por uma migração massiva dos investidores à renda variável, tanto por um valuation mais atrativo das empresas, dada a menor taxa de desconto.

Com a mínima na taxa de juros, a renda fixa se torna menos atraente ao investidor que muitas vezes acaba não obtendo um ganho real em seus investimentos. Assim, em um cenário de juros baixos, a entrada de pessoas físicas na bolsa é intensificada pela busca por um maior rendimento do capital investido, mesmo que a renda variável implique em maiores riscos, o que gera um maior volume transacionado na bolsa (aumento de liquidez) favorecendo tanto empresas, quanto investidores.


Já em relação a implicação da baixa taxa de juros na precificação dos ativos, considerando valuation por fluxo de caixa descontado (DCF), o desconto imposto às receitas futuras da empresa, Custo de Capital (WACC), está atrelado a taxa básica de juros, também chamada de taxa livre de risco, que, quando em queda, gera um menor custo de capital próprio (Ke), calculado a partir do CAPM, como mostrado abaixo. Assim, a partir das mesmas projeções de receita da empresa, o valor presente delas será maior dada a menor taxa de desconto (WACC) dos fluxos de caixa futuros. Nesse cenário, é observado que os resultados se tornam melhores e mais atraentes para empresas que consideram a abertura de capital, já que o IPO aconteceria com valores mais elevados das ações e, portanto, levantaria maior receita para a companhia.




Esse cenário de valuation favorável, foi simultaneamente identificado por diversas empresas, as quais deram início a seus respectivos processos de abertura de capital na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), deixando o órgão extremamente sobrecarregado com mais de 40 processos tramitando. Dentre as várias candidatas que concluíram seu processo de oferta pública inicial e estavam aptas a realizá-la no mês passado, houve empresas que suspenderam seu IPO por uma incongruência entre as expectativas da empresa e do mercado em relação a precificação justa do papel. Isso justamente ocorreu com a Compass, por exemplo, subsidiária da Cosan, que anunciou que não irá mais realizar o IPO citando a "deterioração das condições de mercado” como fator fundamental para o adiamento da oferta. Além dessas companhias que suspenderam sua entrada no mercado de capitais, aquelas que de fato realizaram seu IPO também já sofrem com esse ambiente menos otimista, o que acarretou quedas de mais de 10% de 3 das 4 ações lançadas na primeira quinzena de setembro (PETZ3, PGMN3 e LAVV3), enquanto o Ibovespa apresentou queda de cerca de 3%. Essa perda de valor de mercado significativa, já indica uma percepção do mercado de que os preços iniciais propostos estavam sustentados por um valuation excessivamente otimista, o que está sendo refletido nos IPOs das últimas semanas, nos quais as empresas estão sendo forçadas a admitir uma redução do valor inicial dado um ambiente de maior desconfiança no mercado.


A menor receptividade do mercado às empresas em abertura de capital e a maior disparidade entre a expectativa das empresas de precificação de seus papéis e as estimativas do mercado, consistem em uma percepção de alteração mais acentuada do que o previsto de indicadores macroeconômicos estruturais, como inflação e taxa de juros, afetando negativamente o valuation das empresas.

A partir da flexibilização das medidas de isolamento social e da realidade cada vez mais próxima de imunização da população por meio de uma vacina, é esperado uma recuperação dos níveis de investimento e consumo na economia, elevando os índices de inflação naturalmente. Somado a esse aumento da atividade econômica, a economia nacional e global também se aproxima das incertas consequências das políticas de Quantitative Easing para a economia, que envolvem, em uma perspectiva pessimista, desvalorização da moeda pelo aumento do IPCA e pelo aumento significativo da dívida pública. Essas previsões já começam a se materializar, uma vez que no acumulado do mês de setembro o IPCA apresentou uma alta de 0,64%, acima da expectativa do mercado, 0,54%, e a maior para nesse mês desde 2003. Assim, dada essa perspectiva de pressão inflacionária, uma elevação das taxas básicas de juros já é seriamente considerada pelo mercado, já que é uma tradicional ação na política monetária de contenção da inflação, a fim de diminuir o consumo e incentivar a poupança. No caso do Brasil, há um espaço confortável para o aumento da taxa SELIC, já que ela se encontra a níveis extremamente baixos, projetando-se, portanto, uma reversão dessa tendência de queda vivenciada nos últimos anos.


Já que o cenário de aumento da taxa SELIC é provável dado o contexto macroeconômico citado, é essencial pensar o impacto dessa nova política monetária na precificação dos ativos a serem ofertados publicamente na bolsa. Como já mencionado, a taxa livre de risco impacta diretamente os descontos a serem aplicados aos fluxos de caixa futuros da empresa, e, portanto, um aumento dessa acima do projetado pelo mercado provocaria um valuation menor das empresas e, portanto, uma forte onda de correção nos mercados, o que deve ser considerado, uma vez que o IPCA em setembro superou significativamente as previsões.


Assim, embora o cenário atual ainda seja propício para a abertura de capital das empresas, esse ecossistema apresenta fortes sinais de saturação, evidenciados pelas altas divergências entre a avaliação do mercado e a das empresas quanto a precificação dos ativos, sinalizando preços iniciais dos IPOs consideravelmente altos. Dessa maneira, em meio à euforia de novas empresas e setores adentrando a bolsa nacional, é necessário ter precaução na avaliação dos ativos, considerando uma possível sobre-precificação desses em um contexto de taxa de juros baixa, o qual, considerando o cenário macroeconômico, não se manterá.



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