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Brazil as usual



Em texto anterior, fiz menção à decisão que o Congresso estava em vias de tomar, por meio da qual demonstraria se estava a serviço do país ou das decisões privadas que historicamente perpetram a máquina pública. Ontem à noite, o Senado provou compactuar com a prática comum na política brasileira - que já virou uma espécie de tradição: a de usar uma posição privilegiada, essecialmente representativa, para atender interesses pessoais em nome do povo. Olhando para o Brasil, Weber entenderia que seu conceito de “burocracia eficiente” é, na verdade, uma utopia. George Shaw, para quem o sucesso se relaciona com a não reincidência dos erros, diria que nosso país está fadado ao fracasso.


A derrubada do veto presidencial aos reajustes salariais a servidores públicos coloca mais uma variável na complexa equação fiscal que o país terá de resolver nos próximos anos. No período recente, alguns esforços de consolidação fiscal, com foco na contenção do crescimento dos gastos públicos, vinham sido feitos, a exemplo da adoção do teto de gastos, que passou a vigorar em 2017, e da aprovação da reforma da Previdência no final de 2019. A pandemia, contudo, colocou os esforços on hold. Entre o auxílio emergencial, apoio a estados e municípios, programas de crédito e repasses à área de saúde, do lado das despesas, e redução de arrecadação, do lado das receitas, as projeções do Ipea indicam, na ausência de medidas adicionais de contenção dos gastos obrigatórios, o estreitamento progressivo do espaço fiscal para gastos discricionários nos próximos anos. As implicações se darão em termos de dificuldades crescentes para executar despesas relativas a custeio e investimento, o que arrisca o funcionamento da máquina pública e a continuidade de diversas políticas sociais. Para dar uma dimensão numérica, em maio de 2020, as contas do governo central – que reúnem Tesouro, Banco Central e Previdência Social – tiveram deficit primário recorde. A diferença entre despesas e arrecadação do mês foi de R$ 126,6 bilhões. Antes da pandemia, a meta da equipe econômica era ter um deficit de R$ 124,1 bilhões ao longo de todo o ano de 2020.


Com os gastos superando as receitas, o governo procede se endividando e, portanto, elevando a dívida pública. Diante dos esforços feitos nos primeiros meses da pandemia, o estudo do Ipea calculou que a Dívida Bruta do Governo Geral – que contabiliza governo federal e os governos estaduais e municipais, e exclui o Banco Central e as empresas estatais – deve subir para 93,7% do PIB (Produto Interno Bruto) até o final de 2020. Os problemas de uma dívida pública/PIB em elevação são vários, a começar pela velha conhecida brasileira: a inflação.


Em termos técnicos, déficits públicos são financiados por aumento de arrecadação tributária, elevação da eficiencia de empresas estatais (redução de gatsos operacionais), emissão monetária ou aumento da dívida. As duas últimas são potencialmente inflacionárias: a emissão é seja pela via do câmbio, pela via das expectativas ou pelo gap perpetrado entre demanda e oferta por moeda. E quanto à dívida pública? Sua componente inflacionária está também associada ao canal das das expectativas (as remunerações de títulos são amarradas às expectivas de inflação), mas sobretudo ao fato de que uma dívida grande gera preocupação do mercado quanto ao risco de default do governo. Em resposta, o prêmio do duration dos títulos aumenta e o Tesouro encurta a dívida, situação em que a política monetária começa a ficar pouco eficaz: uma tentativa de elevação dos juros viria acompanhada de um efeito renda tanto maior quanto maior o montante da dívida. Afinal, juros em ascensão elevam a rentabilidade dos títulos pós-fixados. A dívida curta vai vencer e será renovada a taxas maiores, num mecanismo retroalimentativo. A inflação se tornará iminente – e as formas de contê-la serão via elevado superávit fiscal ou política monetária rigidamente contracionista, com efeitos já conhecidos em termos de redução da demanda agregada.


O pacto social pelo zelo à saúde e à vida permitiram que fosse possível deixar em espera o esforço de consolidação fiscal. A razoabilidade dessa decisão se estende até o ponto em que o foco dos auxílios e das medidas excepcionais são os mais de 20 milhões de miseráveis ou os quase 13 milhões de desempregados ou ainda os mais de 30 milhões de trabalhadores informais no país. Contudo, servidores públicos (munidos de estabilidade de carreira e uma série de outros benefícios dos quais a grande maioria da população não goza) conquistarem possibilidade de reajuste salarial em meio à pandemia é, além de uma completa piada de mau gosto, um desrespeito enorme à situação do país e àqueles que lutam todos os dias para sobreviver. Tempos mudam, nada muda. Brazil as usual.

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