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Entendendo a crise nos emergentes



O que é a crise nos emergentes?

Aquilo que tem sido chamado na mídia de “crise nos emergentes” é, em boa parte, a desvalorização das moedas de diversos países emergentes. Moedas como o peso argentino, a lira turca, o real brasileiro, a rúpia indiana, o rand sul-africano, a rúpia indonésia e o reminbi chinês tiveram quedas substantivas durante o ano. A depreciação do câmbio pode ser especialmente perigosa para aqueles países que têm suas empresas e governos altamente endividados em moeda estrangeira, que veriam, por isso, suas dívidas explodirem em moeda local. Os dois pivôs da crise, Argentina e Turquia, por exemplo, estão com capacidade de cobrir suas obrigações em moeda estrangeira com reservas menor que 1, ou seja, precisariam de empréstimos em dólar para cobrir a dívida externa.


A crise, que começou como algo localizado nas economias turca e argentina, se alastrou para diversos países emergentes por meio de contágio financeiro. Quando uma economia emergente se mostra debilitada, os investidores internacionais começam a duvidar da capacidade das outras economias emergentes, penalizando com a fuga de capitais todos os países da categoria. Mudanças na conjuntura internacional também não foram nada favoráveis para os emergentes.

Muitas cenas que estão ocorrendo nos remetem a acontecimentos passados. Não é a primeira vez que a Argentina, por exemplo, tem de recorrer ao FMI para obter um pacote de resgate. A verdade é que não há nada de novo nesse espectro que volta a assombrar os emergentes. Como escreveu um colunista na Bloomberg, a crise é tão prosaica que segue uma receita digna de livros-textos utilizados em faculdades de economia: primeiro se pega um país altamente endividado em moeda estrangeira e depois se adiciona sucessivos déficits em conta corrente, irresponsabilidade fiscal do governo e falta de reservas externas para cobrir a desordem toda.


Turquia: o “exemplo de livro-texto”

Para entender como se aplica na prática a “receita de livro texto” de uma crise cambial clássica, a Turquia oferece o exemplo perfeito.

A responsabilidade das perturbações na Turquia tem nome, e ele é Recep Tayyip Erdoğan, o presidente turco. Desde a crise de 2008, Erdoğan vem apelando crescentemente para formas não convencionais de promover o desenvolvimento da Turquia, apostando principalmente em alavancar a construção civil. O plano de Erdoğan envolve a construção de obras faraônicas, incluindo enormes mesquitas, pontes e outros projetos de infraestrutura, facilitando e estimulando também obras do setor privado, como complexos residenciais e shoppings. É inegável que essa política gerou taxas razoáveis de crescimento, mas isso ocorreu às custas de um endividamento brutal. E de onde saíram recursos para financiar toda essa dívida? Como a Turquia possui uma taxa de poupança interna relativamente baixa – 23,7% do PIB entre 1991 e 2018 – essa expansão precisou ser sustentada com crédito estrangeiro, que por diversos motivos esteve barato na última década. Ocorre que era inevitável que o país, que enfrenta déficits crônicos na conta corrente, não conseguisse manter sua moeda, a lira turca, valorizada por muito tempo.

A desvalorização cambial, que já estava em curso desde 2014, atingiu níveis inaceitáveis em 2018. Naturalmente, a dívida contraída pelas firmas, feita em moeda estrangeira, teve uma explosão no seu valor em moeda local. Para agravar ainda mais a crise cambial, Erdoğan utilizou de vários artifícios para evitar que o banco central turco aumentasse sua taxa de juros, que é um sólido mecanismo para a valorização da moeda. Querendo ter maior controle sobre o gerenciamento da economia, o presidente nomeou seu genro, Berat Albayrak, para o ministério das finanças.


Como o cenário internacional colaborou para a crise nos emergentes?

Verdade seja dita, o ano de 2018 apresentou muitas variáveis externas à Argentina e à Turquia. As “más notícias” - acontecimentos da política e diplomacia global - aterrorizaram os investidores internacionais, de modo que boa parte das desvalorizações não estiveram ao controle dos países emergentes.

A primeira “má notícia” foi a sinalização de aumento nas taxas de juros dos países desenvolvidos. Bancos centrais como o americano e o europeu já mostraram que é hora de reverter a expansão da liquidez, tida como solução para a crise de 2008. Um efeito da alta nas taxas de juros é o encarecimento de crédito, algo perigoso para o setor privado dos países endividados. Outro efeito é a fuga de capitais, já que investidores tiram suas posições dos países emergentes e investem nos países desenvolvidos, que começam a apresentar novas oportunidades de rentabilidade. Esse último efeito é chave para se entender a depreciação das moedas dos países emergentes, que estão sofrendo desvalorização por causa da fuga de capitais. O cenário geopolítico também não esteve favorável. A atual guerra comercial entre Estados Unidos e China, por exemplo, teve um efeito muito grande em reduzir a confiança nos países em desenvolvimento, muitos dos quais dependem do comércio com a China. Como a incerteza e o risco não são desejáveis para nenhum investidor, há fuga de capitais dos países emergentes - que tradicionalmente têm maior risco e incerteza - para os países mais ricos, que se apresentam como porto seguro em momentos de crise. No caso da Turquia, problemas diplomáticos foram somados a questões de política interna, já que seu presidente, Erdoğan, está perseguindo uma agenda de solapar a democracia e hostilizar a influência ocidental no país. Em agosto, em meio a uma crise diplomática com os EUA, o presidente americano Donald Trump prometeu dobrar as tarifas sobre aço e alumínio turcos, dando um golpe fatal na já declinante lira turca. Mas apesar de as “más notícias” terem selado as crises cambiais, não podemos nos esquecer da “Lei de Stein”. A lei, formulada por Herbert Stein, economista americano, afirma que “se alguma coisa não pode continuar para sempre, ela vai parar”. Apesar do efeito devastador das “más notícias”, era inevitável que as moedas dos dois países não se sustentassem eternamente. Afinal de contas, se a política cambial de um país necessita de um clima permanente de boas notícias para se sustentar, ela não pode ser considerada uma política eficiente.


E qual a posição do Brasil nessa crise?

Diferentemente de países como a Argentina e a Turquia, o Brasil tem uma cobertura cambial estimada em 2.5x, ou seja, tem reservas de sobra para cumprir suas obrigações externas. Além disso, o país não tem um déficit em conta corrente descontrolado e a maior parte da dívida pública está em reais. Mas se a nossa situação cambial parece tão estável, há algum risco de enfrentarmos uma crise de dívida externa como a da Argentina? A resposta é que, se o Brasil passasse por uma crise cambial, ela não se adequaria à receita de livro-texto que enquadra tão bem a Argentina e a Turquia. De acordo com o editorial da revista The Economist, o Brasil pode estar seguindo um caminho nunca antes visto para uma crise cambial. Apesar de termos a situação externa em ordem, nossa crise poderia se originar de um desequilíbrio interno: se o governo não conseguir reduzir o déficit primário em breve, aumentando o risco de default, a inflação e a crise econômica irão estourar. Se isso realmente acontecer, investidores de todo o país, tentando proteger seu patrimônio, executarão uma fuga massiva de capital. A moral da história é que se não quisermos virar um novo exemplo de livro-texto, precisamos resolver o nosso problema das contas públicas o mais rápido possível.



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