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Imposto sobre heranças: eficiência econômica e desigualdade


A crise enfrentada pelo Brasil provocou um abalo na arrecadação de muitos estados, cuja reação natural foi procurar novas fontes de receita. Nesse sentido, aumentar a alíquota do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) foi a via encontrada por alguns governadores. Esse não foi o único movimento recente a buscar por mudanças na taxação sobre heranças. O governo Dilma tentou, por meio do PL 5205/2016, estipular cobrança de imposto de renda sobre heranças com alíquotas acima das vigentes. O projeto não foi aceito pela Câmara dos Deputados, mas levanta uma discussão importante. Parte da arrecadação estadual fruto de impostos indiretos, como o ICMS, poderia ser substituída por um montante equivalente advindo de um aumento no ITCMD. Tal substituição é interessante porque ataca dois problemas ao mesmo tempo: a desigualdade do país e a ineficiência do sistema tributário.

A despeito de ser um imposto estadual, os governos estaduais não podem estipular livremente a alíquota do ITCMD. O artigo155 da Constituição atribui ao Senado a função de deliberar sobre essa questão. A última resolução, de 1992, definiu 8% como teto nacional, embora a incidência máxima na maioria dos estados seja de 4%. São Paulo é um desses estados, onerando todos os bens que ultrapassam o valor de 2.500 UFEPS – Unidade Fiscal do Estado de São Paulo, fixada em R$ 25,07 para o ano de 2017. São isentos os imóveis de residência dos beneficiados e aplicações financeiras que não ultrapassem, respectivamente, 5.000 e 1.000 UFEPS.

O montante arrecadado pelo imposto sobre herança é evidentemente condicionado por fatores externos ao controle do governo. Ainda assim é um dos tributos cuja arrecadação mais cresce, tendo atingido uma variação real de 548% entre 2001 e 2014. Esse resultado reflete, em parte, o crescimento econômico do período, que aumenta o patrimônio das famílias e consequentemente o valor pago no tributo. No entanto, como a arrecadação de todos os impostos tende a aumentar como crescimento do produto, outro indicador a que se pode recorrer para verificar a crescente relevância do ITCMD é a relação ITCMD/PIB, tendo esta triplicado no período.

Em relação ao resto do mundo, a alíquota brasileira é baixa. O Gráfico 1 faz uma comparação entre Brasil e os 15 países com maior taxação sobre herança, segundo dados da Tax Fundation. O Brasil está abaixo da média da OCDE, de 15%. É interessante notar que muitos países de caráter liberal ocupam as primeiras posições desse ranking. Japão lidera com uma alíquota máxima de 55%, seguido pela Coréia do Sul, França, Reino Unido e Estados Unidos.

O sistema tributário brasileiro é complexo e proporciona muitas ineficiências alocativas. Segundo estimativas do Banco Mundial, gastam-se 2.038 horas para pagar impostos no Brasil, enquanto as médias da América Latina e OCDE são, respectivamente, de 342 horas e de 163 horas. A fundação do sistema é baseada essencialmente em impostos indiretos, que geram peso morto- afetando a atividade empreendedora-, e também desigualdade, dado seu caráter regressivo. Analisando esses pontos, a ITCMD apresenta vantagens notáveis.

Um estudo publicado em 2012 na Small Business Economics utilizou informações tributárias de 50 estados dos EUA durante o período de 1989 e 2002 para analisar os efeitos da taxação de heranças na atividade empresarial. Os autores não encontraram nenhum efeito significativo, o que demonstra o menor potencial nocivo desse tributo. Outro ponto em que o ITCMD se sai melhor é em relação à sua progressividade. Conforme prognosticado por Thomas Piketty em O Capital no Século XXI, quando o rendimento sobre o capital supera a taxa de crescimento, a riqueza herdada aumenta em proporções maiores que a riqueza adquirida. Os efeitos sobre a desigualdade são outro ponto dicotômico entre o imposto sobre herança e os impostos indiretos como ICMS, favorecendo o primeiro.

Sem dúvida, uma reforma tributária sensível a esses temas seria ideal para finalizar essa discussão. Contudo, é importante considerar todas as complicações e morosidades para que qualquer reforma seja efetivamente implementada, especialmente na atual conjuntura de desgaste do governo Temer e de incerteza quanto ao governo seguinte. Mudanças locais podem ser um paliativo eficiente. Abrandar a incidência do ICMS concomitantemente a um aumento da alíquota do ITCMD contribuiria para diminuir ineficiências alocativas ao mesmo tempo em que se combate a acentuada desigualdade brasileira, sem perda de receita para os Estados em questão. É importante apontar que essa troca não se propõe a ser uma solução final. Apenas desatar um nó desse emaranhado que é o Brasil.


Artigo publicado em dezembro/2017 na 19ª edição da Markets St.


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