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A conta da previdência não fecha


O que levou o déficit da previdência a tomar proporções colossais e como interpretar as propostas de reformas do atual governo?

O atual cenário de conjuntura econômica recessiva que o Brasil enfrenta demanda um extenso ajuste fiscal para colocar o país de volta nos trilhos. Para isso, a equipe econômica do atual presidente, Michel Temer, propôs medidas de austeridade para conter a explosão do déficit das contas públicas. Atualmente, o foco do governo é a temida reforma previdenciária, pauta que tem causado intenso atrito entre sindicalistas e o Planalto.

O triênio 2014 – 2016 foi marcado pelo agravamento do déficit da previdência, o qual foi causado principalmente pelo aumento do desemprego, que foi responsável pela redução das receitas provenientes do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), regime que envolve os trabalhadores contribuintes do INSS. Alguns especialistas também consideram que a concessão de benesses fiscais a empresas, promovida pela gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, foi outro motivo para a queda da arrecadação. Entre 2012 a 2015, a desoneração da folha de pagamento somou R$ 472,8 bilhões.

Apesar de tal triênio ter agravado o déficit com essa carência financeira, a grande questão é que o rombo da previdência é um problema “antigo” que vem sendo arrastado por muitos anos, mas que, no entanto, se tornou mais evidente no atual momento de crise. A previdência rural e o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) são exemplos de como a estrutura, que deveria garantir certa proteção aos idosos brasileiros, é completamente insustentável.

O déficit da previdência rural, em 2015, alcançou a marca de R$ 91 bilhões contra um superávit de R$ 5,1 bilhões correspondentes à urbana. Isso ocorreu porque a contribuição do primeiro regime é diferenciada. Nos anos 90, houve a iniciativa de pagar o benefício para trabalhadores rurais que nunca contribuíram, o que foi gerando um saldo negativo cada vez maior. Além disso, deve-se mencionar o potencial de fraude dessa previdência. Segundo a consultoria técnica do Orçamento do Congresso, estima-se que 40% dos benefícios concedidos destinam-se a trabalhadores que não têm vínculo com atividade laboral no campo. Assim, ainda que subsidiar a população rural seja uma prática corrente em muitos países e uma ordem de segurança alimentar, cabe salientar que a prática representa um déficit financeiro significativo aos cofres públicos.

Em relação ao RPPS, contamos com um déficit de R$ 72,5 bilhões, oriundo de uma série de benefícios que são dados aos 572,2 mil aposentados e pensionistas da União. Se compararmos com o RGPS, temos um total de 32 milhões de contribuintes gerando um déficit equivalente a R$ 85,8 bilhões. As proporções são um tanto quanto desiguais, certo? Isso fica ainda mais evidente se analisarmos quais são as vantagens dadas aos seus segurados. A título de exemplo, o limite de proventos que pode ser recebido no RPPS corresponde ao teto remuneratório constitucional, que é equivalente ao subsídio dos ministros do STF. Na atualidade, esse valor é de R$ 33.763. Por outro lado, o limite do RGPS, fixado para 2016, é de R$ 5.189,82.

Se somarmos a esses cálculos os servidores públicos dos estados e municípios, a situação é ainda mais grave. Recentemente, Ana Paula Vescovi, Secretária do Tesouro Nacional, divulgou um déficit de R$ 237 bilhões correspondente a todo o setor público em 2013, com 4,2 milhões de beneficiários. Alguns estados, como o Rio de Janeiro, já tiveram que suspender o pagamento de aposentadorias devido à falta de recursos. Sem a possibilidade de emitir dívidas para financiar seus gastos com a União, o sistema previdenciário das unidades federativas se encontra à beira da falência.

Outro agravante está relacionado ao equacionamento financeiro e atuarial da previdência. Além do déficit financeiro de cada ano, há um passivo atuarial, que corresponde à diferença entre o montante dos desembolsos e dos recebíveis em valores presentes. Através desse cálculo, é possível visualizar a real situação da seguridade social do país. Em 2015, o déficit atuarial da previdência dos servidores públicos da União atingiu R$ 1,9 trilhão, e dos estados, R$ 2,4 trilhões, o que mostra a completa disparidade entre a contribuição e o valor dos benefícios.

Aliado às falhas estruturais do sistema previdenciário, temos o envelhecimento da população e a queda da taxa de fecundidade, fatores demográficos que representam a principal preocupação sobre a sustentabilidade do regime de repartição. Hoje, para cada idoso, há cinco pessoas economicamente ativas, mas até 2060 esse número deve ser de 1,4 por aposentado. É por essa razão que a principal meta do Planalto é estabelecer a idade mínima de 65 anos para se aposentar, visando aumentar o tempo de contribuição. A idade média do brasileiro aposentado é de 58 anos, muito abaixo da média de 64,2 anos dos países da OCDE.

Desse modo, a previdência corresponde a 42% dos gastos primários do governo, motivo que levou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a considerar a reestruturação do sistema previdenciário como essencial para equilibrar as contas do governo. As reformas envolvem temas que vão além da esfera econômica. Atualmente, não podemos desconsiderar as mudanças demográficas que o país vem sofrendo, de modo que elas tentam se adaptar ao maior número de usuários da previdência e ao menor número de contribuintes. Assim, as reformas parecem ser mais um desafio do que uma proposta.


Artigo publicado em janeiro/2017 na 15ª edição da Markets St.


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