Uma das maiores marcas das economias não-desenvolvidas são os períodos de alta inflação ao longo de sua história econômica, como o Brasil, com a hiperinflação das décadas de 1980 e 1990, e a Argentina, superando a casa dos 50% ao ano em 2021. Entretanto, um dos maiores impactos da pandemia da Covid-19 nos países desenvolvidos, como Reino Unido, EUA, Portugal, foi, também, a inflação. Assim, surgem as indagações: qual a relação entre a pandemia e o aumento da inflação? E como o cenário externo impacta a situação brasileira?
Primeiramente, para compreendermos os impactos da pandemia na inflação global, é imprescindível entender a existência dos tipos de inflação e as políticas econômicas requeridas por cada um. Por exemplo, a inflação mais fácil de ser controlada por um governo/banco central é a inflação de demanda. Neste caso, a procura pelos produtos aumenta de forma que a oferta não consegue acompanhar, assim, tudo o mais constante, pela lei da oferta e demanda os níveis gerais de preços aumentam.
Uma das passagens mais marcantes da inflação de demanda ocorreu no início do plano Real. Na época, a estabilidade da economia (fato que não acontecia há anos) gerou um consistente aumento nos salários e as famílias passaram a consumir mais produtos de diversos nichos - que até então tinham uma oferta estável. Consequência de oferta constante e demanda alta: preços aumentam. Quando há esse tipo de inflação, os bancos centrais tendem a aumentar a taxa básica de juros para que ocorra uma desaceleração da economia, diminuindo a demanda e aumentando a reserva de capital nos títulos públicos. Outra ferramenta é diminuir a oferta de crédito, por exemplo, sendo que essas ações costumam ser suficientes para controlar uma inflação crescente na economia.
Além da inflação de demanda, existe, também, a inflação de oferta, ou seja, um aumento dos custos de produção. Esse tipo de inflação costuma ser mais problemático, pois está mais longe do controle dos bancos centrais. Normalmente, a inflação de oferta costuma ocorrer em períodos mais curtos de tempo, no entanto, seu impacto pode ser desastroso para uma economia.
Um dos fatores mais importantes para a ocorrência da inflação de custos é o câmbio. Grande parte das empresas dependem de algum insumo importado, fazendo com que, quando o câmbio se torna desfavorável para a importação, os custos de produção aumentem e isso seja repassado para os consumidores finais. Este exemplo encaixa-se bem na situação brasileira de 2018 até hoje, em que o real é uma das moedas que mais se desvaloriza perante o dólar, aumentando todo o custo de fabricação da maioria dos produtos. Uma das formas de controlar esse tipo de inflação é criar medidas que visam incentivar os produtores a aumentar sua produção, pois, dessa forma, os preços tendem a voltar ao nível esperado. Esses incentivos podem se caracterizar por: diminuição da carga tributária, subsídios e valorização cambial.
Entendido as definições e peculiaridades dos tipos de inflação, como de demanda e oferta, podemos, enfim, analisar a situação ímpar trazida pela pandemia do novo coronavírus.
Ao alastrar-se de forma rápida, a Covid-19 simultaneamente provocou um choque de demanda, por conta das famílias em casa com a renda restrita, e um choque de oferta, com empresas fechadas. Nos primeiros meses, a recessão causada e a desaceleração repentina da economia seguraram a inflação ao redor do globo. Todavia, a partir do segundo semestre de 2020, as economias começaram a se recuperar com a flexibilização das medidas restritivas e o avanço da vacinação. Dessa forma, os choques de demanda e oferta continuaram a persistir, porém, dessa vez, no sentido inflacionário. Do lado da demanda, políticas de transferência de renda, como os altos cheques de estímulo nos EUA, o auxílio emergencial no Brasil, dentre outros, aumentaram a demanda agregada de forma repentina e abrupta. Além disso, países desenvolvidos seguiram uma tendência de diminuir as taxas de juros, impulsionando muito o lado dos consumidores. Já pela visão da oferta, o mesmo não ocorreu: gargalos na produção, problemas logísticos, medidas restritivas e isolamento social são elementos que atrapalham a oferta que, somadas à alta demanda, ocasiona o fenômeno inflacionário que vivemos hoje.
Portanto, por mais que esse fenômeno inflacionário seja um problema global, também é necessário entender as peculiaridades no caso interno do Brasil, para esclarecer por que o país é um dos que mais sofre com isso. Ao analisar o cenário externo, é imprescindível citar a inflação nos EUA e seu impacto no Brasil. Como já explicitado, a inflação causada pela pandemia não poupou nenhum país, nem mesmo a resiliente economia norte-americana. Sendo assim, com a inflação americana atingindo a casa dos 6% ao ano, as projeções para os títulos públicos norte-americano aumentaram, como a do T-Bond 10 years, por exemplo. Ainda, como os EUA são considerados um país livre de risco, qualquer aumento no prêmio de risco em seus títulos atrai investidores. Consequentemente, países com maior risco intrínseco, como é o caso brasileiro, sofrem com a retirada de capital, que ocasiona uma desvalorização do câmbio e diversos outros problemas.
Todavia, uma parte da inflação brasileira é exclusivamente causada por fatores internos. Inclusive, alguns fatores naturais são responsáveis, como geadas que ocorreram no inverno e secas que causam diretamente problemas na agricultura. No entanto, é no âmbito político que se concentram os maiores impactos no país. Tensão entre os poderes, incertezas fiscais, retrocesso no combate à corrupção e algumas medidas econômicas tidas como ineficientes frente a um ano eleitoral causam muitas dúvidas sobre o cenário macro brasileiro, o que acaba repelindo investimentos estrangeiros, e, assim, depreciando a moeda nacional. Um real desvalorizado em uma economia tão globalizada como a nossa causa o aumento da inflação de oferta, já que o custo de fabricação de todos os produtos que têm algum item importado na linha de produção teve seu custo aumentado.
Por essas razões, é de suma importância que a população compreenda as causas da inflação e quais políticas podem combatê-la, tornando fenômenos como a hiperinflação mais raros de acontecer novamente.
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