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Falências nos E-sports: Aprendizados de um setor recente com adversidades em sua estrutura e gestão



O acelerado desenvolvimento do setor de E-sports nos últimos anos

 

Os e-sports são competições de jogos eletrônicos nas quais jogadores disputam partidas nas mais diversas categorias, com a modalidade ganhando destaque, principalmente, entre o público de 10 a 27 anos. Atualmente, o setor de e-sports é o mais lucrativo dentro da indústria de jogos, gerando cerca de 220 milhões de dólares de lucro, o que levou o Comitê Olímpico Internacional a estudar a possibilidade da adesão das modalidades eletrônicas nas Olimpíadas. Dentre os jogos de maior destaque estão: Counter Strike (CS), League of Legends (LoL), Dota 2 e Valorant. Nesse universo, as chamadas “organizações” seriam como os times dos esportes tradicionais, que, entretanto, apresentam equipes em diversos jogos devido à maior visibilidade proporcionada.

 

No ambiente dos jogos eletrônicos, as principais fontes de receita são provenientes justamente da visualização, por meio dos direitos de mídia, produtos e ingressos, patrocínios e propagandas e, também, pelo streaming. Em 2023, no globo, o setor encerrou o ano com uma receita total de 2,2 bilhões de dólares, cerca de 255% maior do que em 2017, quando o valor foi de 619 milhões de dólares, e tem como expectativa atingir 6.75 bilhões em 2030, segundo a Statista. Como mostrado pelo gráfico abaixo, também segundo as estimativas desse portal de dados, patrocínios e propagandas representam cerca de 55% do valor arrecadado pelos times.


Fonte: Statista

 

Embora o cenário de e-sports tenha projeção de grande crescimento para o futuro, grandes organizações do nicho enfrentam adversidades financeiras. Empresas que se destacaram por sua exposição e performance competitiva, como FaZe Clan, Heroic, TSM e Astralis, experimentaram problemas de capitalização, volatilidade e risco de falência nos últimos anos e devem ter seus casos estudados para reverter o cenário crítico desse setor de grande potencial.

           

Má Gestão e Problemas com patrocinadores no mercado

 

As complicações relacionadas à saúde financeira das companhias atuantes no e-sports tornaram-se o foco das atenções no início de 2023. Entre as principais razões, esteve a notícia da possível falência da Faze Clan, que não seria capaz de financiar suas operações até o final daquele ano, o que levou a sua aquisição pela Gamesquare em outubro. A empresa, que chegou a ser avaliada em 1.2 bilhões de dólares, sofreu desvalorização de 98,9% de suas ações desde setembro de 2022 até o dia 1 de fevereiro de 2024.

 

Esse caso pode ser utilizado para resumir alguns dos principais problemas das grandes organizações. Em 2022, como parte de sua estratégia de expansão do nome da marca e de fãs, a companhia assinou contratos milionários com o rapper americano Snoop Dogg, garantindo assento na diretoria e ganho de 1,9 milhões de dólares equivalentes em ações. A tentativa de atrair novas pessoas por meio da afiliação de grandes influenciadores já é antiga no cenário de games e na empresa. O que tornou a negociação única, entretanto, foram os altos valores negociados com o cantor e, anteriormente, com o filho de Lebron James.

 

Somado aos altos pagamentos realizados aos influenciadores, a organização enfrentou outro problema em sua divisão de e-sports: a dissipação de patrocinadores. Segundo David Nash, antigo CEO da Counter Logic Gaming (CLG), uma organização estadunidense, os patrocinadores não estão encontrando retorno no investimento em equipes profissionais que iguale o retorno encontrado no patrocínio de grandes influenciadores. Para Nash, isso estaria provocando um movimento de debandada dos patrocínios. No caso da Faze Clan, a questão dos investimentos externos realizados no e-sports pode ser visualizada em sua receita: grande parte dela não é gerada pela organização e, sim, pelos influenciadores atrelados à empresa, que operam como contratados independentes. Partindo de um breakdown da receita bruta, foram gerados 48,6 milhões de dólares nos primeiros 3 trimestres de 2022, no qual apenas 14 milhões foram gerados pela Faze Clan em si.

 

A questão dos patrocinadores, como trazida por David Nash, afetou outros grandes players do setor também, como a TSM e a Heroic. Entre as razões para esse fenômeno está o fato que, conforme publicado pela NewZoo - empresa que traz dados sobre o mundo dos jogos; casas de apostas e fundos de crypto representam 15% dos patrocínios às equipes de e-sports. Nesse contexto, a queda no mercado de criptomoedas acabou com parte significativa das receitas das organizações. A TSM, por exemplo, havia fechado acordo de naming rights de 210 milhões de dólares com o fundo de criptomoedas FTX em 2022, o qual foi cancelado meses depois após a falência do mesmo, deixando a empresa de games em situação vulnerável, visto que ela contava com a injeção de dinheiro proveniente da negociação. Atrelado ao esfriamento dos patrocínios no setor, a companhia teve que realizar uma jornada de demissões, além de reduzir sua presença em jogos menos rentáveis.

 

Dificuldades relacionadas à natureza do cenário competitivo de e-sports

 

A Heroic, organização dinamarquesa, apresentou prejuízo em suas demonstrações financeiras desde 2021, que não se restringiram apenas à gestão e aos patrocínios, mas envolvem também a forma como o setor se estrutura: premiações, mercado de jogadores, volatilidades e as próprias publishers, empresas responsáveis por financiar, distribuir e promover os jogos. Mas como a melhor equipe de CSGO, segundo o ranking mundial realizado pela HLTV, não conseguia se manter no positivo?


O cenário competitivo é muito desigual entre os diferentes jogos e quem sofre com isso são as equipes. As premiações de diferentes modalidades são muito discrepantes: o Dota 2, por exemplo, distribuiu cerca de 32,8 milhões de dólares em premiações, enquanto o LOL apenas 7,7 milhões. Embora os custos para manter as equipes sejam os mesmos (salários, centro de treinamento, staff etc), a receita gerada nem sempre é compatível. A Heroic, por exemplo, compete em mais de uma modalidade, porém apenas sua equipe de CS tem apresentado resultados satisfatórios em premiações e visibilidade por meio da boa performance em campeonatos no último ano. Ou seja, embora ela tenha uma receita considerável, apenas no Counter Strike, a equipe apresentava 5 vezes mais despesas e sem nenhuma projeção de reverter a situação. Como resultado desses prejuízos, a equipe decidiu fechar suas operações em alguns jogos, e acabou sendo adquirida por um fundo dinarmaquês a fim de lidar com os problemas financeiros.

 

Ademais, ao analisar ainda como as publishers têm um papel nessa situação, pode-se citar o caso do jogo Rainbow 6. A Ubisoft, desenvolvedora do jogo, tomou como decisão abrir para empresas terceiras realizarem campeonatos do seu jogo e a Gamers 8 foi uma das interessadas. Entretanto, a expectativa inicial dos organizadores era distribuir 5 milhões de dólares em premiação, o que foi barrado pela publisher, que limitou a 2 milhões, alegando diminuir a importância da maior competição da modalidade organizada pela própria Ubisoft. Embora haja uma discussão sobre a plausibilidade da justificativa, é certo que as organizações e jogadores são os mais prejudicados, economicamente, com a decisão. Dessa forma, o movimento de saída de organizações de modalidades, que não geram retorno suficiente para manter uma estrutura de negócios saudável, vem se tornando cada vez mais comum.

 

Ademais, algumas organizações, como Astralis e Faze Clan, são de capital aberto e enfrentam a grande volatilidade do setor, que reage frequentemente a contratações e vendas de jogadores e ao desempenho dentro das competições. Por exemplo, a saída do jogador “Device” da Astralis,  causou uma perda de 3,5 milhões de dólares no valor da companhia. Essas características do setor e os resultados financeiros negativos são visualizados nos preços das ações: a Faze Clan chegou a ser negociada a 20,08 dólares a ação e, atualmente, tendo como referência o final de janeiro de 2024, o papel da empresa é negociado a apenas 0,19 dólares. Enquanto isso, a Heroic caiu de 1,85 dólares em seu IPO para 0,19 dólares em sua aquisição, em maio de 2023.



 Fonte: Capital IQ

 

Apesar das dificuldades, o futuro do setor é promissor

 

A despeito desse cenário, a tempestade parece estar próxima do fim para as equipes de e-sports, com a chegada de investidores e de tentativas de resolução que garantam exposição para as grandes empresas auxiliando nesse processo. O mercado passa por investidas que apostam no crescimento da receita para os próximos anos. A ESL e a Faceit (organizadoras e donas de plataformas de CS:GO) foram adquiridas juntas por 1,5 bilhões de dólares pelo fundo público da Arábia Saudita e fundidas em uma só companhia. Movimentos como esse indicam uma nova onda de injeção de dinheiro capaz de auxiliar a exposição das marcas das organizações e promover a competitividade e o desenvolvimento do cenário de e-sports, enquanto contorna o problema com algumas publishers. A fusão da ESL e Faceit não apenas representa um marco na consolidação do mercado de esportes eletrônicos, mas também sinaliza uma nova fase de crescimento e amadurecimento para a indústria.


As más gestões do passado, representadas simbolicamente pela FaZe Clan e outras empresas, como a Evil Geniuses, não representam o todo do cenário competitivo. Ao examinar a Team Liquid, observa-se um modelo de sucesso que vai além do desempenho nas competições. A habilidade da organização em construir uma base financeira sólida é um reflexo da importância dada à gestão empresarial e estratégica. Isso ressalta a necessidade de uma abordagem profissional e transparente na administração das organizações de e-sports, algo que a indústria está gradualmente reconhecendo como vital para sua maturidade.

 

Aprofundando na análise da Team Liquid, a ênfase na criação de uma infraestrutura de treinamento eficiente destaca o seu compromisso com o desenvolvimento e aprimoramento constante de seus jogadores. Nesse contexto, esse investimento não apenas melhora o desempenho competitivo como também contribui para a formação de atletas mais bem preparados e resilientes. Além disso, a equipe foi capaz de, com sucesso, integrar influenciadores ao time, de maneira que a Team Liquid não apenas participe em torneios, mas, também, construa uma narrativa envolvente em torno de suas atividades, alcançando públicos diversos e estendendo sua presença para além das competições.

 

Além do investimento nas organizações, as expectativas de crescimento exponencial no número de espectadores para os próximos anos levaram a novas investidas nas equipes. Elas apostam em uma boa gestão e administração capazes de construir times sólidos e um forte ecossistema nas organizações na expectativa de formar uma base de fãs e consumidores por meio da exposição de sua marca. Isso transforma a visualização em dinheiro, justificando a aquisição das companhias citadas, a exemplo da Heroic e Faze Clan.

 

Conclui-se, assim, que os exemplos de mau desempenho de equipes e empresas no mundo dos e-sports podem e devem servir de aprendizado para a reestruturação do ecossistema desse setor, o qual apresenta um futuro promissor econômica e culturalmente. 

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