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BudBoycott: A queda da Bud Light



A Bud Light é uma cerveja da Anheuser-Busch, subsidiária da AB InBev, que lidera o mercado mundial de cerveja. Pelas últimas duas décadas a Bud Light foi a cerveja mais vendida nos EUA. No dia 1 de abril a marca de cerveja americana lançou uma parceria com Dylan Mulvaney, influencer trans que gravou um vídeo com cervejas da marca. Dois dias depois o comentarista Matt Walsh lança um vídeo em seu canal reagindo ao comercial e pedindo pelo boicote da Bud Light. O que se sucedeu foi o começo de uma queda na ação que, pelo menos inicialmente, o mercado precificou como temporária, tendo até mesmo uma subida da cotação já adiantando o fim do boicote, todavia, a realidade e o tempo mostraram que o boicote da Bud Light foi bem mais efetivo e com consequências possivelmente permanentes.


Em dois meses, esse vídeo de menos de um minuto conseguiu o que nenhum outro fator fez em duas décadas, as estimativas indicam uma queda de 28% no volume da Anheuser-Busch nas quatro semanas antecedendo o dia 20 de maio, consequentemente, também em maio, a ação da empresa (que inclui outras marcas de cerveja) sofreu sua maior queda consecutiva desde a pandemia, caindo 18% (a maior queda devido ao COVID-19, fora de 24%); no período terminado em 3 de junho, a marca perdeu seu posto de mais de 20 anos como a cerveja mais vendida dos EUA para sua concorrente “Modelo”, da Constellation.


Assim, diante de um impacto econômico tão grande, resta a pergunta do que fez o boicote da Bud Light ser tão efetivo. Seria a ação da empresa que foi particularmente diferente? O público consumidor da Bud Light, mais resiliente e incisivo em seu boicote? Ou a influência midiática de Matt Walsh, que talvez tenha sido o fator chave? Enquanto é possível que esses aspectos sejam relevantes para boicote da Bud Light, talvez o fator determinante neste e em outros boicotes seja o conceito econômico conhecido como custo de troca.



O que são os famosos switching costs?


O custo de troca é um termo do mercado financeiro que mede o tempo, dinheiro e esforço gasto pelo consumidor para trocar de produto, essencialmente medindo o quão cativo da empresa o consumidor é. Produtos únicos com ausência de competidores próximos, cuja pesquisa por alternativas é difícil e cuja mudança em geral demanda tempo e esforço possuem altos custos de troca. Dessa forma, quando o consumidor decide substituir um item por motivo de qualidade, preço ou mesmo boicote, é o custo de troca que definirá a viabilidade dessa substituição. No caso específico de um boicote, a vontade de causar danos a empresa em geral diminui com o tempo.


Se o concorrente mais próximo fica a uma hora de carro, então o custo de troca do produto inclui essa viagem de uma hora e, se na primeira semana o consumidor está disposto a pagar essa uma hora para boicotar a empresa, ele pode não estar mais tão disposto depois de um ou dois meses. Sob essa análise, os custos de troca da Bud Light têm um fator de hábito, mas eles param por aí. A marca tem competidoras próximas, seu produto não é único e, essencialmente, o custo para o consumidor se resume em mover sua mão 5cm para a direita na hora de pegar uma cerveja do mercado ou falar o nome de outra marca num bar. Não é preciso de muito para superar os custos de trocar a Bud Light, porém, no outro lado do espectro, temos os produtos com altos custos de troca e que são únicos, produtos como Harry Potter.


Hedge de produtos a partir de switching costs?


J.K. Rowling, a criadora da franquia Harry Potter, em junho de 2020 chamou a atenção da mídia pelos seus comentários sobre pessoas trans. Rowling logo se tornou extremamente impopular com parte dos fãs, muitos dos quais sentiam-se traídos pela criadora do primeiro livro que leram. Uma parte dos entusiastas começaram com mensagens ofensivas à autora e em setembro de 2020 já postavam vídeos queimando livros da autora. Entretanto, ela continuou expondo suas opiniões, de modo que em 2022 o ator que interpreta Harry Potter (Daniel Radcliff), pessoalmente se declarou contra o posicionamento da autora. Assim, com o lançamento de Hogwarts Legacy - jogo da franquia - em fevereiro de 2023, já havia um possível cenário para um boicote. Sites de críticas se recusavam a analisar o jogo ou davam a menor nota possível e streamers ou criadores de conteúdo que jogaram antes do lançamento receberam mensagens ofensivas durante suas transmissões.


Mas então qual foi o impacto do boicote? Hogwarts Legacy vendeu 12 milhões de unidades nas primeiras duas semanas, teve o oitavo maior número de jogadores simultâneos da história do rank da plataforma Steam (que inclui jogos gratuitos), o maior número de espectadores para jogos de um jogador do site de stream Twitch e, até o momento, faturou mais de um bilhão de dólares em vendas. Havia motivação para o boicote, mas mais uma vez a resposta está no custo de troca: não existe outro “primeiro livro” que os fãs possam ler, não existe outro Harry Potter!


Mesmo abrindo a suposição de que haja uma obra de arte semelhante, o custo de troca ainda é muito alto, o consumidor teria que gastar seu tempo procurando e arriscando tanto tempo quanto dinheiro lendo seus livros sem saber se o conteúdo é bom. Além disso, o prazer nostálgico da franquia não pode ser replicado por uma obra nova. Em outras palavras, a franquia Harry Potter detém seus fãs como cativos. É claro que as corporações responsáveis pelos produtos da franquia em geral evitam se opor desnecessariamente aos seus consumidores, mas, como Rowling provou, a indignação dos clientes não determina o boicote, o custo de troca sim.


Digitalização e os comportamentos futuros


Tanto Hogwarts Legacy quanto a Bud Light são alvos de outro fator importante no boicote moderno: a digitalização. Somos motivados por atualizações instantâneas nos informando se nossa participação pequena é parte de algo maior com as notícias da Bud Light ou se pagar os altos custos de troca não tem consequência como em Hogwarts Legacy. Os pedidos de desculpa mediante a queda da ação da Bud Light e a indiferença de Rowling que continua com suas centenas de milhões tem impactos na moral do consumidor, podendo estender ou reduzir sua resiliência em não consumir. Além disso, no extremo da compra por canais digitais, os produtos têm seu custo de troca reduzido a uma cerveja da Bud Light, mover o mouse para comprar da concorrência. A digitalização, portanto, tende a tornar as empresas mais vulneráveis a boicotes cada vez vulneráveis mais danosos num ciclo vicioso de notícias que estendem seu prejuízo.


Com um vídeo que prejudicou a cerveja mais vendida da américa e um esforço concentrado que falhou em impedir um sucesso de vendas dos jogos, o primeiro semestre de 2023 nos mostra que é necessário mais do que indignação ou cancelamento para boicotar um produto, é preciso estar disposto a pagar o custo de troca. Daqui em diante, é possível que empresas fiquem mais atentas à relação que possuem com o cliente. Mais que apenas aprender como não enfurecer o consumidor ao ponto deste tentar parar de consumir, é necessário saber se ele está disposto a pagar o custo de cessar seu consumo.

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