top of page

Pessoas físicas entrando na bolsa




Nos últimos semestres, a B3 vem batendo recorde atrás de recorde em número de CPFs ativos, atingindo 2,95 milhões ao fim de agosto. Esse movimento acontece devido à formação de um cenário favorável, construído a partir de diversos eventos nos últimos anos, que prepararam o terreno para essa disparada.

O principal desses fatores foi o ciclo de cortes da taxa SELIC nos últimos anos. Esse ciclo de quedas histórico começou em 2017, ano em que a taxa caiu praticamente pela metade (de 13% para 6,75%). Após duas décadas de taxa básica de juros variando entre 30 e 10%, a qual proporcionava rendimentos elevados com baixo risco, o investidor precisou sair da zona de conforto e se arriscar na renda variável para atingir rendimentos minimamente satisfatórios, antes assegurados na renda fixa.


Fonte: Bacen, B3


Essa tendência se intensificou também com o avanço do índice Ibovespa, que acumulou alta de 26,8% em 2017, seguido de altas de 15% e de 31,5% em 2018 e 2019 respectivamente. Ao longo do primeiro semestre de 2020, esse movimento atingiu seu auge até então, com a SELIC renovando novo piso histórico (de 2% ao ano) e o número de investidores ativos na bolsa subindo 57% ao fim do primeiro semestre, mesmo com as quedas das ações devido à pandemia.

Outro fator que propiciou a atração significativa de novos investidores foi a queda de custos operacionais. Enquanto ao longo da década não era atrativo para pequenos investidores operarem na bolsa (dada a alta corretagem, as taxas de custódia, a manutenção e a liquidação), o surgimento de novas corretoras recentemente aqueceu a competição no mercado e gerou uma diminuição brusca nos custos. Se nos últimos anos o custo de uma ordem emitida era em média R$15 para pessoas físicas, hoje existe corretagem a R$1,99 e até R$0 no mercado, com taxas de manutenção e custódia isentas, abrindo brechas para a viabilidade econômica de pequenas operações, inclusive em lote fracionário.

Paralelamente, destaca-se também o processo de inclusão digital que presenciamos nos últimos anos. De 2010 até 2018, a parcela da população com acesso à internet saltou de 40% para 70%, facilitando o acesso aos mercados de capitais. Se nas décadas passadas o pregão era presencial e pouco acessível, tornou-se possível comprar uma ação por meio de um telefone em qualquer lugar e de forma barata. Esse processo de inclusão digital ainda fortalece de forma indireta essa ida à renda variável, pois abre espaço para que a informação alcance mais pessoas em diferentes dinâmicas, como o boom das casas de análises e o fenômeno dos influenciadores digitais financeiros, que dão dicas e discutem finanças pessoais nas redes sociais.

Esse cenário de queda dos juros, queda dos custos operacionais e desenvolvimento digital formou o cenário favorável à bolsa. Dentre os novos investidores, os protagonistas dessa expansão, iniciada em 2017, são os jovens entre 16-25 anos, adultos entre 26-35 anos e as mulheres. O número de investidores jovens cresceu 1685% nesse meio tempo (a faixa etária que mais evoluiu), atingindo uma participação de 12% na bolsa, enquanto os adultos entre 26-35 anos cresceram 611%, e o número bruto de investidoras cresceu 357% nesse mesmo período (acima do crescimento absoluto de investidores), atingindo a parcela de 25% entre todos os investidores, destacando também a tendência de crescimento da participação das mulheres no mercado.

Essa nova realidade da bolsa brasileira já está mudando o comportamento do mercado, com as pessoas físicas transacionando praticamente o mesmo volume dos agentes institucionais em maio deste ano, recorde na década (cerca de 25% das negociações, para cada). Além disso, segundo as posições em bolsa divulgadas pela B3, o investidor doméstico tem papel fundamental na recuperação dos mercados após as quedas históricas de março: aumentando as posições em bolsa e se tornando o maior comprador líquido do mercado, na contramão da fuga de capitais do país por parte do investidor estrangeiro. Essa tendência pode refletir um processo de amadurecimento do investidor brasileiro nos últimos tempos em termos de educação financeira.

Além do investimento em ações, outras modalidades de investimento também ganham espaço, como o daytrade, prática de comprar e vender ativos no mesmo dia, em um processo de especulação. Porém, estudos encomendados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários, órgão fiscalizador do mercado de capitais brasileiro) apontam que não existe uma relação de risco-retorno saudável a longo prazo nessa modalidade, com apenas 3% dos investidores obtendo lucros consistentes. Apesar de aumentar a liquidez dos mercados, a popularização do daytrade pode ocasionar em maior volatilidade no intraday (ao longo do dia), principalmente em momentos de estresse dos mercados.

Porém, mesmo com todo esse processo de popularização do mercado brasileiro, ainda há muito espaço para crescimento. Mesmo com a escalada dos últimos três anos, atualmente apenas 1,41% dos brasileiros investem na bolsa de valores, enquanto esse número chega a 55% nos Estados Unidos, que possui uma cultura muito mais consistente de educação financeira e investimentos. Para diminuirmos essa desvantagem, cabe a manutenção desse cenário favorável para os próximos anos.

bottom of page