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Democracia e os mercados financeiros emergentes


Ao longo da história recente da civilização ocidental, é, recorrentemente, evocada a ideia de que governos estáveis e ágeis na tomada de decisão, características de sistemas autocráticos com baixa rotatividade de poder e pouca oposição, são mais favoráveis ao mercado do que o extenso e conturbado processo democrático. Nesse artigo, pensaremos a relação entre o sistema democrático, os riscos políticos inerentes a ele e o desempenho do mercado financeiro em países emergentes, nos quais há maior risco político, a partir do estudo “Democracy, Political Risk and Stock Market Performance”, de Heikki Lehkonen e Kari Heimonen da Universidade of Jyväskylä da Finlândia, realizado em 2012.


O primeiro passo ao pensar a relação entre a democracia e o mercado financeiro é analisar o risco político inerente ao sistema democrático, envolvendo seus princípios, permissões e limitações, considerando a probabilidade de cada um impactar o mercado. Enquanto em um sistema democrático há liberdade de imprensa e uma atuação politicamente mais ativa da sociedade, o que evitaria abusos de poder e garantiria direitos essenciais, como as liberdades individuais e a propriedade privada inviolável, há também um efeito negativo correspondente ao risco político da grande instabilidade no poder, devido às eleições. Dessa maneira, conforme o desenvolvimento do estudo em questão, iremos, inicialmente, relacionar o risco político e o grau de democracia de 49 países em desenvolvimento estudados, a fim de compreender melhor a potencialidade de risco político dos mais essenciais valores democráticos.


Os subcomponentes, os quais foram elaborados pela International Country Risk Guide (ICRG) e utilizados na elaboração do valor de risco político de cada nação, são: estabilidade do governo, ambiente socioeconômico, perfil de investimento, conflitos internos, conflitos externos, corrupção, presença de militares na política, tensões religiosas, tensões étnicas, lei e ordem e qualidade da burocracia estatal. Já o grau de democracia, por sua vez, é extraído do subcomponente democracy accountability, elaborado também pela ICRG no cálculo do risco-país de cada nação. Este último indicador é usado no cálculo de valuation no mercado, sendo comum o desconto nas estimativas de retorno dos ativos do valor referente ao risco país, calculado pelo spread soberano, diferença entre os juros dos títulos dos países e os juros dos títulos do governo americano. No entanto, como concentramos nossa análise na relação dos retornos do mercado com o sistema de governo do país, nos limitaremos a considerar o risco político, um dos componentes considerados na obtenção do índice de risco país. Relacionados a partir do gráfico abaixo, ambos os índices, risco político e nível de democracia, são ajustados a um intervalo entre 0 e 1. O risco político é representado no eixo das ordenadas e à medida que seu valor aumenta em direção a 1, o risco político é menor. O nível de democracia de uma nação é expresso no eixo das abscissas, sendo que o quanto mais próximo de 1, mais fortalecido são o sistema e os princípios democráticos no país.

A partir da dispersão de pontos, cujas posições indicam a relação entre o risco político e o nível de democracia do país, pode-se descrever a tendência dos resultados a partir de um polinômio quadrático. Essa conclusão denota um menor risco político (relembrando que o quanto maior é o valor do índice de risco político, menor é o risco) tanto para países com democracia mais fortalecida, como Portugal e República Tcheca, quanto para países com fortes regimes autoritários, Arábia Saudita e Omã, por exemplo. Dessa maneira, a curva de tendência em formato de U indica um limite mínimo do nível de democracia de um país para que esse sistema de governo garanta um baixo risco político, e, portanto, em países juridicamente democráticos, mas que na prática contém fracas instituições democráticas e falhas escandalosas no processo democrático, como a Rússia, ou aqueles em processo de democratização, como o Peru, o risco político é ainda maior em relação aos países ditatoriais.


Dada a conclusão obtida na relação entre o risco político e o nível democrático de um país, agora pensaremos as implicações dela nos retornos do mercado financeiro de cada um. A relação feita pelo estudo em questão compara os índices já vistos de risco político e nível de democracia com o índice MSCI, o qual é composto pelo MSCI Standard Total Return Index que combina a dinâmica de preços no mercado com os pagamentos de dividendos reinvestidos em cada país analisado e compara o valor com o desempenho do mercado financeiro mundial. Assim, a partir da equação abaixo, na qual o risco político polrisk e o índice de democracia dem interagem com o desempenho do mercado mundial, dando, a partir dos coeficientes ,ß1...ß5, a relevância do índice com o qual o coeficiente se relaciona para os retornos do mercado financeiro. A variável Rit corresponde ao retorno ajustado do mercado financeiro mundial ao mercado i escolhido, no tempo t. Os outros componentes da equação são referentes a ajustes estatísticos e controle de variáveis, dos quais o detalhamento é inconveniente.

A primeira relação feita pelo estudo foi pensar o impacto direto dos índices de risco político e grau de democracia com os retornos do mercado financeiro do país em questão, excluindo da equação as variáveis em que eles estão elevados ao quadrado e os termos de interação entre elas. Nessa primeira aproximação, os sinais dos coeficientes interagindo com os valores de cada índice se mostraram positivos, indicando que a diminuição do risco político e o fortalecimento do sistema democrático resultam em maiores retornos. Considerando a relevância quantitativa de cada índice, a diminuição do risco político se mostrou significativa para o aumento nos retornos do mercado em todos os métodos estatísticos utilizados, enquanto o aumento do grau de democracia foi significativo em apenas metade desses.


Já no segundo uso da equação acima, procurou-se analisar os efeitos da interação do risco político e do nível de democracia de cada país nos retornos dos respectivos mercados financeiros, recolocando os termos de interação entre as variáveis e os termos ao quadrado. Nesse caso, a variável polrisk e dem isoladas mantiveram seu resultado anterior, corroborando a tese do primeiro experimento. No entanto, o mais interessante nessa relação de interação das variáveis é o sinal negativo do coeficiente dem² e sua relevância quantitativa em todas as estimativas, indicando uma curva com a forma de um U invertido, ao relacionar os retornos do mercado financeiro e o grau de democracia. Assim, nos níveis mais altos de democracia os retornos seriam positivos e decaem à medida em que o nível de democracia diminui, chegando a um limite de qualidade democrática, abaixo do qual a relação dos retornos do mercado financeiro do país com o desempenho do mercado mundial se torna negativa.


Considerando os resultados obtidos pelo estudo analisado, é possível identificar que quanto ao sistema democrático em uma sociedade, além da importância de garanti-lo formalmente, é indispensável que ele seja fortalecido a partir do respeito à tripartição de poderes, do bom funcionamento das eleições, da transparência, da accountability dos governantes e da crença da população nos princípios e valores democráticos de igualdade, liberdade e propriedade privada. Tanto em relação ao risco político, quanto acerca dos retornos do mercado financeiro no país, a democracia se mostra positiva a ambos, se estiver acima de um determinado nível de prática de seu funcionamento e de seus valores. Abaixo desse limite mínimo de democracia, encontram-se sociedades com instituições democráticas fracas altamente aparelhadas pelo executivo, relativo controle da mídia e processos eleitorais duvidosos, as chamadas illiberal democracies atualmente, nas quais a constituição e os direitos de propriedade estão submissos aos interesses políticos do partido no poder, gerando possivelmente insegurança no mercado e maior risco político.


Embora os resultados do estudo dependam de índices quantitativos em relação a algo subjetivo, como a avaliação do quão democrático é o sistema político de um país, dificultando a precisão das conclusões, ele oferece reflexões interessantes acerca da relação entre o mercado financeiro e uma sociedade democrática. Independentemente de promessas eleitorais sedutoras de desenvolvimento econômico à custa de um governante demagogo, a defesa e o fortalecimento da democracia é tanto uma obrigação moral em relação a garantia dos princípios básicos dos direitos humanos de liberdade, igualdade e propriedade, quanto algo benéfico para o aumento dos retornos do mercado financeiro e para a redução do risco político do país.


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