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Bipolarização Mundial: As eleições americanas


A complexa relação entre as duas maiores potências econômicas da atualidade pautará a eleição presidencial americana deste ano. Além de tarifas alfandegárias e sanções econômicas, o conflito entre EUA e China tem um forte viés ideológico, uma vez que se trata de uma potência cada vez menos suprema econômica e geopoliticamente no mundo devido ao repentino e sólido crescimento de uma nação que cultiva ideais políticos e culturais diametralmente opostos aos americanos. Eleito em 2016, Trump adotou uma nova postura caracterizada pelo protecionismo econômico e diplomacia combativa, a qual melhorou as condições socioeconômicas americanas, mas gerou um arrastado conflito geopolítico com a segunda maior potência econômica no mundo. Neste ano, a eleição americana determinará a manutenção ou a superação do posicionamento americano atual frente à China, não só impactando economicamente ambos os países, mas todo o funcionamento da economia e o futuro geopolítico mundiais.


Beneficiado pelo cenário socioeconômico favorável e pela provável indicação democrata de Bernie Sanders, socialista auto-intitulado que apresenta alta rejeição no eleitorado americano, a candidatura de Trump à reeleição era projetada para sair vencedora das eleições no final deste ano. No entanto, uma sucessão de eventos recentes não só extinguiram a vantagem republicana, como deixaram o atual presidente com uma probabilidade de vitória de cerca de 10% no colegiado, segundo o modelo de previsão eleitoral elaborado pela The Economist. Segundo a análise da revista, os “fundamentals” para a análise e projeção eleitoral são a taxa de aprovação do incumbente e o desempenho da economia, essa última, no entanto, pode ser atualmente menos relevante devido à polarização política. No término do ano passado, o cenário era favorável para Trump, na medida em que a economia dava bons sinais de recuperação após grave instabilidade no começo da década passada e o presidente tinha taxa de aprovação próxima aos 40%, a qual era semelhante a das duas reeleições anteriores, de George W. Bush em 2004 e Barack Obama em 2012.


Contudo, a pandemia do novo coronavírus, alastrada ainda no início de 2020, foi o primeiro fator que negativamente impactou a campanha de Trump, devido a sua péssima gestão de crise e dificuldade para responder efetivamente aos avanços da doença, gerando resultados socioeconômicos e sanitários catastróficos. No espectro econômico, o desemprego que antes estava em uma mínima histórica de cerca de 3,5% atingiu 13,3% no impacto imediato da pandemia, extinguindo cerca de 30 milhões de empregos, mas é previsto para encerrar o ano em 9,3%, segundo Jerome Powell, presidente do Federal Reserve. Já em relação à saúde pública os resultados são ainda mais alarmantes, já que os EUA são o único país no mundo com mais de 100 mil mortes, e com índice de mortalidade (mortes por 100 mil pessoas) de 39,8, superior à taxa do Brasil de 31,3 que também vive semelhante calamidade.


Mesmo em meio ao extraordinário evento de uma pandemia, um evento de natureza política foi talvez o que mais impactou negativamente a possibilidade de reeleição do presidente Trump, ainda que ele não tenha participado: a reviravolta na indicação democrata. Na chamada Super Tuesday, quando são apurados os votos das primárias democratas em quatorze estados americanos, Joe Biden, ex-vice presidente de Obama e considerado mais moderado, garantiu inesperadamente a maioria dos estados superando seu radical rival democrata Bernie Sanders, que era considerado favorito para a indicação. Pouco tempo depois, a superioridade de Biden se concretizou e ele foi efetivado como o candidato democrata, evitando um cenário de polarização extrema entre Trump e Sanders, e formando uma candidatura unificadora, a qual é capaz de atrair tanto o eleitorado mais à esquerda que apoiava o seu adversário democrata, quanto americanos moderados insatisfeitos com a atual administração.


Posteriormente, o brutal assassinato de George Floyd por um policial americano reaqueceu um debate altamente sensível nos EUA acerca da desigualdade racial, gerando um revisionismo histórico anti-racista e manifestações por todo o país que depois se espalharam pelo mundo. Nesse contexto, o atual presidente respondeu com força policial às manifestações em Washington e fez campanha na mídia contra kneeling protest e a suposta violência do movimento Black Lives Matter, o que lhe afetou negativamente quanto à popularidade, principalmente na comunidade negra e entre americanos moderados, fortalecendo ainda mais a concorrência democrata de característica agregadora liderada por Joe Biden.


Considerando esses eventos recentes que mudaram as previsões eleitorais americanas, o modelo recentemente atualizado da The Economist coloca uma probabilidade de 90% de vitória de Joe Biden no colegiado eleitoral, podendo variar de 244 a 412 delegados a seu favor (são necessários 270 para vencer). Quanto à Donald Trump, segundo o modelo da revista sua candidatura garantirá no mínimo 126 e no máximo 294 delegados, o que demonstra um cenário extremamente difícil para o republicano em que teria que se sair vitorioso em todos os chamados swing states, estados nos quais a preferência republicana se iguala à democrata e seu resultado eleitoral é historicamente apertado e imprevisível. Embora o cenário seja pessimista quanto à reeleição, há tempo o suficiente para Trump emplacar uma reviravolta, já que usufrui dos poderes executivos da maior potência econômica mundial, e, portanto, uma recuperação econômica acima do previsto podem aumentar suas chances, além de que já mostrou habilidade para superar expectativas pessimistas na eleição passada.


Fonte: The Economist


Por um lado, uma improvável reeleição de Trump apenas reforçará a política externa e econômica vigente em relação à China, possivelmente acirrando ainda mais a guerra comercial devido a sua insistência na culpa do país oriental pela disseminação do novo coronavírus. O impasse comercial e até um agravamento das hostilidades entre EUA e China perpetuariam a desaceleração da economia mundial, a qual se manifesta, por exemplo, tanto no contexto europeu desenvolvido, como no caso da Alemanha que se aproximou de uma recessão técnica antes mesmo da pandemia por conta do impacto da guerra comercial nas exportações da sua indústria automobilística, e também no caso dos países emergentes como o Brasil, já que a instabilidade gerada pelo conflito diminui a entrada de capital estrangeiro na forma de investimento na economia nacional. No cenário de grave crise econômica pós-pandemia, a não resolução do conflito comercial intensifica os seus aspectos negativos já existentes e, portanto, dificulta ainda mais a recuperação socioeconômica mundial.


Por outro lado, a provável eleição do ex-vice presidente, Joe Biden, é melhor avaliada por Wall Street, já que é previsto um tom mais conciliatório da gestão democrata em relação à política externa, principalmente frente ao conflito comercial com a China. Essa preferência, apurada pela Forbes e justificada pela expectativa menos combativa da administração Biden, corresponde a improvável perspectiva de que as tarifas alfandegárias aumentem caso ele seja eleito, projetando-se, portanto, um arrefecimento do conflito e, posteriormente, uma queda nas tarifas em ambos os países. No entanto, embora a gestão Biden é vista com maior capacidade para solucionar o desarranjo geopolítico, ela pode ser mais atuante quanto ao ativismo pelos direitos humanos, possivelmente denunciando a repressão à etnia muçulmana Uighur no Oeste da China pela ditadura comunista ou a supressão da democracia em Hong Kong, por exemplo, além da questão ambientalista, já que a China representa uma parcela significativa das emissões de CO2 e não dá sinais de preocupação.


Dado o grau de acirramento entre os dois países mais poderosos economicamente no mundo e detentores de armas atômicas, o cenário geopolítico atual é complexo, delicado e aparenta rumar para um retorno da bipolaridade mundial aos moldes do século passado durante a Guerra Fria. Enquanto no improvável cenário de reeleição de Trump a tendência em relação ao conflito seja de agravamento intenso, possivelmente indo além do nível comercial e econômico, a projetada vitória democrata desperta comedida esperança, já que projeta-se uma postura conciliatória da administração de Joe Biden. Um acordo comercial e geopolítico entre ambos os países extinguiria a instabilidade atual nos mercados mundiais gerada pelo desarranjo comercial, facilitando a recuperação econômica mundial pós pandemia, a qual pode ser limitada e dificultada. No entanto, o cenário é extremamente preocupante, já que uma ação mais incisiva da China contra pautas unânimes nos EUA, como a democracia em Hong Kong e a independência de Taiwan, pode inviabilizar a reconciliação.

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