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Protestos na América Latina


Protestos, fumaça e fogo. Imagens que se tornaram comuns em 2019, manifestações populares tomaram as ruas de diversos países latino-americanos e, apesar da concomitância de suas eclosões, seus objetivos e motivações são diversas e difusas que, no entanto, expõem a fragilidade política e social do continente.


Embora os veículos midiáticos terem difundido massivamente imagens do Chile, não foi exclusividade do país araucano a onda de insatisfação. Equador, Bolívia, Colômbia e Haiti também tiveram seu 2019 marcados por protestos, além de Venezuela e Nicarágua, nações as quais movimentações populares se alastram por mais tempo. A variedade de países e motivações demonstra que os problemas não são, como muitos gostam de taxar, privilégio de um projeto econômico, como o neoliberalismo chileno, ou de uma orientação política, como o chavismo boliviano.


Historicamente, a América Latina é uma região instável, não só politica, mas também economicamente, portanto, vale ressaltar que por muitas vezes a causa de inúmeros protestos é a desigualdade social, desemprego ou aumento de preços. Pois bem, em um século XX marcado por regimes autoritários em boa parte do continente, houve uma forte tendência de nacionalizar indústrias e serviços (com exceção do Chile), com a mudança no fim do século para governos democráticos, uma transição irresponsável e malfeita ocasionou em economias frágeis e instituições debilitadas. É essa herança que assola a maioria das nações latino-americanas e não tem, ainda, sinal de que foi superada.


Voltando ao momento atual. No Equador, a eclosão de protestos surgiu após o presidente Lenín Moreno acabar com os subsídios da gasolina no país, de forma a seguir o programa de responsabilidade fiscal do Fundo Monetário Inter naciona l (FMI), medida que acarretou um aumento de quase 100% no preço do combustível. Todavia, vale considerar que o preço médio da gasolina no país é um dos mais baratos do mundo (U$ 0.49/Litro em Janeiro de 2020). As movimentações populares fizeram com que o presidente revogasse a medida que suspendia os subsídios.


No caso da Bolívia, a fraude nas eleições realizada por Evo Morales, líder do executivo do país desde 2006, foi o estopim de insatisfação popular com uma massiva onda de protestos levando ao fim do governo de Morales e uma possibilidade de transição política no país. Enquanto no Peru, outro exemplo da fraqueza institucional latina, o presidente Martín Vizcarra dissolveu o legislativo e convocou novas eleições como medida de exceção, ação a qual acarretou em uma série de manifestações a favor e contra o executivo.


A Venezuela é um símbolo de como a fragilidade institucional e a irresponsabilidade econômica e fiscal podem levar a um deplorável cenário de pobreza. Com uma inflação estratosférica e subsídios mal aplicados, a desorganização econômica soma-se a um governo corrupto que se mantém sustentado no militarismo e em uma pequena parte da população, quadro o qual resultou em um êxodo venezuelano para os países vizinhos.


Basta ver que o “legítimo” presidente Nicolás Maduro teve sua influência minada de tal forma que o autoproclamado presidente Juan Guaidó foi quem participou do Fórum Econômico Mundial de 2020, em Davos, na Suíça.


Por fim, a situação chilena se difere das antes citadas, símbolo neoliberal, o Chile vinha sendo adotado como modelo de sucesso e estabilidade no continente. As movimentações populares objetam-se contra a desigualdade do país, a qual, ao longo dos últimos anos vinha decrescendo constantemente, 15% de 2002 à 2017 segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (Cepal). Entretanto, com uma desaceleração econômica geral no continente e uma consequente queda no investimento, a população chilena ficou menos tolerante com a situação do país e saiu às ruas para protestar. É interessante analisar, contudo, que a desigualdade chilena não se diferencia muito do que a América Latina apresenta. Se tomarmos como referência o coeficiente de Gini, indicador que mede desigualdade, verifica-se que o do Chile obteve 0,45 em 2017, um pouco mais que os 0,39 de Argentina e Uruguai, tidos como exemplo de baixa desigualdade.


Além disso, o PIB per capita chileno, em Paridade do Poder de Compra, era de U$ 25.978, o maior valor do continente sul- -americano, muito acima dos U$ 16.164 do Brasil. Isso significa, basicamente, que apesar da desigualdade chilena ser considerada “alta”, a riqueza média da população também é elevada, o que faz com que o “pobre” chileno tenha uma renda maior do que o “pobre” brasileiro. Essa análise tem por consequência outro dado i m p e r i o s o, o fato de que o Chile é um dos poucos países da América Latina, junto com Uruguai, Costa Rica, Argentina (a qual deve ter tido uma piora em seus dados atuais), que possui taxas de extrema pobreza abaixo dos 5%. Em resumo, apesar das movimentações populares chilenas serem legítimas, a realidade do país não é tão crítica quanto parece e o fogo e a fumaça não exibem a face verdadeira da nação.


No final das contas, o legado de governos fiscalmente irresponsáveis adido à fraqueza institucional dos tempos de regimes ditatoriais faz com que a América Latina ainda tenha que caminhar muito para alcançar níveis políticos mais democráticos e uma economia mais sólida. Enquanto isso, o protagonismo popular enraizado na cultura sul-americana exibe-se, pelas mais variadas etnias, povos e feições.

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