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Será que Thanos está certo?


Se você ainda não assistiu a Vingadores: Guerra Infinita, não se preocupe. Este texto será livre de grandes spoilers. Mas é necessário saber que o enredo do filme gira em torno do plano de Thanos, o grande vilão, de juntar as seis Pedras do Infinito, para então dizimar metade da população do universo. Sua justificativa é que, em um planeta cada vez mais populado cujos recursos são escassos, uma hora ou outra os habitantes do mundo não mais teriam de onde obter sustento e então uma onda de fome e miséria seria inevitável. A não ser, é claro, se ele matasse literalmente meio mundo.

Se este argumento lhe soa familiar, não se engane. Ele é. E remonta ao longínquo 1798. Nessa data, Thomas Malthus publicou seu famoso “An essay on the principle of population” ( “Um ensaio sobre o princípio da população,” numa tradução livre), que definiu a armadilha malthusiana. Ela prevê uma situação em que a população cresceria acima da capacidade de oferta de comida, gerando fome e miséria. Se você ainda não assistiu ao filme, feche os olhos durante os inevitáveis discursos de Thanos, imagine-se na Inglaterra do século XVIII e perceba que, para responder à pergunta que intitula este texto, precisamos responder antes à outra: será que Malthus estava certo?

Para tanto, analisaremos os pressupostos do modelo proposto por Malthus e os dados disponíveis. Fica subentendido que, para que a população cresça acima da capacidade de oferta de alimentos, essa oferta seja constante em algum momento. Ou seja, para que a armadilha ocorra, pressupõe-se, no fundo, que os parâmetros tecnológicos da economia não se alteraram significativamente durante o período considerado. Essa afirmação é bastante forte. Malthus escreveu ao final do século XVIII, quando a Revolução Industrial já dava suas caras e transformava a economia inglesa e mundial permanentemente. Assumir que a tecnologia é um parâmetro constante para fazer previsões em meio a este contexto não me parece a melhor estratégia.

Se analisarmos os dados de PIB per Capita da Inglaterra, coletados pelo Bank of England (gráfico 1)¹, a Revolução Industrial é justamente o ponto a partir do qual a renda per capita e, portanto, a qualidade de vida da população, começa a aumentar consideravelmente. Questões - importantes - de distribuição à parte, se o modelo de Malthus pode valer, é para que o tempo que lhe precedeu, não para o que lhe sucedeu.

Pesquisas demonstram que a inovação tecnológica na economia pré-Revolução Industrial foi esporádica e pouco transformadora. Nas palavras do historiador econômico Gregory Clark, “a inovação tecnológica esporádica no mundo pré-industrial gerou mais população, não mais riqueza.” Nesse período, a qualidade de vida de cada indivíduo estava muito relacionada ao tamanho da população. Após a industrialização, questões relacionadas à produtividade e à tecnologia se tornaram cada vez mais relevantes, jogando a teoria de Malthus a escanteio.

Voltemos a Thanos. A irracionalidade de seus argumentos, se pensadas do ponto de vista econômico, mostra-se ainda maior. Ignorar os avanços tecnológicos num universo em que existem Tony Stark e Wakanda não passa de pura tirania - o que se espera de um típico vilão cinematográfico. Aliás, sua proposta de eliminar a população tem um paralelo real. Pelo gráfico, a Peste Negra, que dizimou cerca de metade da população inglesa próximo a 1350, pouco alterou a renda per capita do país nos anos subsequentes e em nada mudou a tendência à estagnação que somente rompeu-se na Revolução Industrial. Mais uma vez, soluções demasiadamente simples para problemas econômicos complexos mostram-se ineficazes. Quer seja na ficção, quer seja na realidade.

¹Fonte dos Dados:Broadberry, S., Campbell, B. M., Klein, A., Overton, M., & Van Leeuwen, B. (2015). British economic growth, 1270–1870. Cambridge University Press.


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