O ano é 2000, início do milênio. Mercado de ações americano com altas históricas e diversas companhias abrindo capital. Um segmento específico era um dos mais sondados pelos investidores no período: tecnologia da informação e comunicação. Com as possibilidades criadas com o advento da internet, várias empresas começaram a captar recursos no mercado de capitais para explorar essas oportunidades. Contudo, muitos modelos de negócio apresentavam incertezas que ainda não podiam ser mensuradas de maneira correta e, em março do mesmo ano, o índice Nasdaq começou a recuar abruptamente por conta da venda em massa de ações de companhias ‘ponto com’ que apenas surfaram o momento e não tinham resultados consistentes.
Depois desse processo de seleção natural no ecossistema de tecnologia, empresas que desenvolveram negócios que aproveitavam a escala proveniente do uso da internet de maneira rentável conseguiram tornar-se, hoje, gigantes como Microsoft e Amazon.
Desde então, a tecnologia não tem parado de impactar a economia como um todo e, em 2021, até o mercado de capitais brasileiro tem empresas que podem ser classificadas de maneira genuína como companhias de tecnologia.
Uma delas é a LG Informática que, em um contexto em que são debatidos os impactos da implementação de tecnologia no mercado de trabalho, busca justamente melhorar a integração e gestão das pessoas a partir do uso soluções de tecnologia.
Histórico
No mercado desde 1985, a empresa já estava inserida no contexto do setor de tecnologia através da revenda de microcomputadores, prestação de serviços de assistência técnica, mas também já tinha a frente de desenvolvimento de sistemas administrativos. Em 1994 lança o primeiro software brasileiro de gestão de folha de pagamentos que, já no ano seguinte, torna-se carro chefe da empresa.
Em 2000 a companhia torna-se líder no segmento, conquistando clientes grandes no mercado nacional e ao longo dos anos foi aumentando o leque de soluções e funcionalidades oferecidas para melhorar a gestão de pessoas nas empresas.
Já em 2013, o sucesso da LG atraiu a atenção do fundo de private equity americano H.I.G Capital que, no mesmo ano, adquiriu participação na companhia, com objetivo de auxiliar no crescimento e nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
A parceria teve bastante sucesso, dadas as demandas cada vez maiores por soluções que auxiliassem no recrutamento, gestão e suporte do capital mais importante de qualquer empresa: as pessoas. Além disso, a estratégia de crescimento inorgânico da companhia também foi de prima importância nos seus resultados, com as aquisições da W3net e também da E-guru sendo divisores de água no incremento de soluções de tecnologia HCM (Human Capital Management) e de jogos empresariais.
Essa história de sucesso culminou em uma base de clientes sólida, trazendo, em 2020, uma receita líquida de R$ 116 MM e margem EBITDA de 23%, superior entre 3 a 6 bps da média de comparáveis. Além disso, no mesmo ano a empresa obteve R$ 42 MM (36%) de receita proveniente do modelo de recorrência de assinatura, mais comumente conhecido como SaaS. Isso mostra a capacidade de crescimento da companhia através de um modelo asset light, no qual as margens da companhia crescem exponencialmente dado o descasamento entre aumento de receita versus aumento de custos e despesas.
Sendo assim, ficam evidentes alguns dos motivos que levaram a companhia a iniciar seu processo de abertura de capital em 2021 na B3, com estimativa de captação de mais R$ 800 MM.
Panorama do segmento de atuação
Mercado TI
O mercado de TI no Brasil ainda é extremamente jovem. Mantendo a característica dos mercados emergentes, o país ainda tem mais da metade da sua distribuição de TI focada em hardware, enquanto em países desenvolvidos as frentes de software e serviços ocupam, em média, mais de 70% do mercado, como pode ser visto no gráfico abaixo, com dados do Estudo do Mercado Brasileiro de Software 2020, realizado pela ABES.
Mesmo assim, o investimento no setor vem crescendo no país, com uma participação em relação ao PIB em 2004 de 1,6% para mais de 2,3% em 2019. Contudo, ainda há espaço para evolução desses dados, uma vez que ainda existe um gap grande de relevância de modelos de negócio mais rentáveis – software e serviços -, em relação ao segmento de hardware.
A importância dessa transição vem, também, por conta da posição periférica do país na fatia de US$ 1,3 trilhões no mercado global de Software e Serviços, com os Estados Unidos compondo 46,2% desse montante, enquanto o Brasil possui somente a fatia de US$ 20,5 bilhões.
Além disso, modelos de negócio com foco em Software e Serviços apresentam margens melhores e um range de atuação limitado ao número de pessoas com acesso à infraestrutura de internet e telecomunicação, que no Brasil tem crescido a uma média de 4% ao ano, segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2019, contabilizando 134 milhões de usuários.
Software e Serviços
Ainda nessa lógica, os modelos de Software as a Service – SaaS vem ganhando mais espaço, uma vez que apresentam soluções mais flexíveis e modulares, com escopo de atuação maior. Isso vem por conta, também, da consolidação de empresas de Software vendido por licença – como Oracle e SAP – cujo foco de atendimento costuma ser para empresas maiores. Sendo assim, o modelo de SaaS por assinatura tem como nicho o mercado de pequenas e médias empresas que, em 2020, correspondiam a mais de 90% das empresas no mundo, segundo dados do Banco Mundial.
Market Share Setorial – Softwares no Brasil Semelhante à relevância do setor Financeiro na participação do Ibovespa, no setor de Softwares no Brasil, Finanças – representado principalmente pelas fintechs - tem representado 26,4% da receita gerada no segmento, seguidos de 23,2% de Serviços e Telecom, e 20% da Indústria.
Gerenciamento de capital humano
Como já mencionado anteriormente, o segmento de gestão de recursos humanos também tem sido impactado pelos modelos de negócio focados em soluções de software e tecnologia. Segundo dados do relatório da Technavio, Global Human Capital Management Solutions Market 2020-2024, estima-se que o mercado de gestão de capital humano cresça a uma taxa composta anual de 8,3%, atingindo US$ 27,2 bilhões em 2024.
Pode-se dividir o setor de HCM – Human Capital Management em três grandes frentes:
- Core RH: com ênfase em folha de pagamentos, benefícios e presença de colaboradores;
- Estratégico/Talento: com foco em recrutamento, treinamento e administração da performance dos colaboradores;
- Força de Trabalho: área focada em aumentar produtividade e eficiência a partir de controle de custos e melhoria de processos manuais.
O relatório também apresenta uma tendência de maior crescimento do subsegmento de Talento, dentre Core HR e Força de Trabalho, uma vez que atração e retenção de mão de obra qualificada vem sendo o maior desafio para as companhias baseadas em soluções de tecnologia.
Lugar da LG
A LG Informática tem posicionamento competitivo extremamente benéfico no cenário brasileiro de gestão de capital humano. Sua plataforma apresenta soluções para empresas de todos os portes e abrange todo o escopo de atuação do gerenciamento de recursos humanos.
Na frente de Core RH, todas as questões legislatórias, de folha de pagamento, cargos, salários e benefícios são cobertas pelas soluções da empresa. Seus concorrentes de válida menção são Apdata, Senior Sistemas, Sinergy RH, Benner e TOTVS, apresentando soluções voltadas para empresas de menor porte.
Na vertente de Talentos, a LG possui soluções de gestão de talentos, recrutamento, onboarding, treinamento e desenvolvimento, performance, carreira e sucessão. A companhia disputa mercado com empresas como Cornerstone, Sage, Gupy e Uol Edtech, ainda que nenhuma delas apresente soluções desse subsegmento de forma totalmente integrada.
SAP, Oracle e ADP também são competidores da LG em Core e Talentos, mas apresentam, também, dificuldades de adequação à legislação trabalhista brasileira,quantidade menor de módulos e flexibilidade menor de soluções, fator benéfico para o posicionamento estratégico da companhia.
Modelo vencedor?
A LG Informática é, conforme apresentado, a única empresa no país que oferece todas as soluções de gestão de capital humano em uma plataforma na nuvem. Com um modelo de negócios asset-light, os ganhos de escala são notáveis e, também, a tendência do mercado é de demandar cada vez mais de softwares de gestão das pessoas empregadas.
Ainda, é notável o espaço para crescimento significativo de clientes, uma vez que a companhia só possui 1,5 milhões de trabalhadores formais em sua carteira, de um todo de 37,8 milhões, segundo a companhia.
Além disso, a empresa recentemente firmou parceria com a Paketá Crédito com o objetivo de fornecer soluções financeiras para os trabalhadores em sua plataforma. Com isso, toda a base de dados disponível para a empresa pode gerar informações relevantes para construção de carteira de consignado, conta digital e outros produtos que certamente monetizariam de forma significativa sua carteira de clientes.
Contudo, um fator a se observar é o valuation da companhia que, conforme as últimas informações divulgadas, seria avaliada a um múltiplo próximo a x10 Receita. Dado que muitas empresas de tecnologia estão sendo avaliadas com múltiplos semelhantes, alguns investidores questionam se não estamos em um momento de uma nova bolha ‘ponto com’.
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